Desafios Regulatórios para Startups de Tecnologia: Navegando em Águas Não Regulamentadas

maio, 2024‎ ‎ ‎ |

‎Por Vitor de Menezes Martins

Cenário das Startups de Tecnologia

No cenário dinâmico da economia digital, as startups são aquelas que se utilizam de novas tecnologias para revolucionar as indústrias tradicionais. As startups, por meio do uso de tecnologia, buscam alterar o status quo do setor que atuam e, com isso, escalar suas atividades de modo exponencial. Entre elas, nos últimos anos, alguns setores foram bastante alterados pelas atividades de startups, tais como, finanças, transporte, logística, educação, saúde, entre outras.

Essas startups introduziram novos modelos de negócio que desafiaram as práticas tradicionais e forneceram aos consumidores soluções mais eficientes e acessíveis que subverteram a lógica vigente, criando novas formas de se pensar e consumir. São alguns exemplos de sucesso o Dr. Consulta, Mercado Livre, Contabilizei, Buser e tantos outros, que usaram da tecnologia para modificar completamente setores conservadores e que, até então, eram controlados por empresas dominantes e tradicionais.

Apesar da disrupção e das potencialidades dos negócios gerados por meio das startups, nem tudo são flores no dia a dia do empreendedor, que também enfrenta diversos desafios. Entre tais desafios, apontaremos, neste artigo, os desafios regulatórios e legais enfrentados pelos empreendedores que muitas vezes não conseguem enquadrar seu negócio nas regulações antiquadas e retrógradas então vigentes.

Desafios Regulatórios e Legais

Conforme abordado acima, as startups têm desempenhado um papel importante na revolução da prestação de serviços e inovação de produtos. Contudo, muitas vezes, fica evidente que as normas e regulações vigentes não são adequadas às atividades inovadoras desenvolvidas pelas startups.

Nos últimos anos podemos apontar alguns casos emblemáticos que demonstram possíveis tenções entre startups, reguladores e concorrentes. Um bom exemplo é o serviço de transporte de passageiros (ride hailing), em razão de ser um serviço que, apesar de ainda enfrentar desafios, se consolidou no Brasil mercadologicamente (aceito por consumidores, reguladores, motoristas, etc.).

O setor de transporte individual de passageiros, quando as primeiras startups do setor iniciaram suas atividades, era regulado por meio da Política Nacional de Mobilidade Urbana (“PNMU”). Com o início das atividades destas startups, muitas discussões ocorreram a respeito do serviço prestado pelos motoristas cadastrados nos aplicativos fornecidos pelas startups e sua relação com os consumidores.

A discussão basicamente se tratava em qualificar o serviço realizado pelos motoristas cadastrados nos aplicativos das startups como sendo serviços de transporte privado de passageiros com suas regras estabelecidas pela plataforma e/ou transporte individual de passageiros, o qual poderia ser realizado exclusivamente por meio de táxis autorizados que seguiam a legislação municipal aplicável.

A regulamentação do transporte individual de passageiros, nos termos da Lei 12.468/11 e da Resolução 4.287/14 da ANTT, visava garantir a segurança e a qualidade do serviço oferecido aos cidadãos, mediante o controle e a fiscalização por parte do poder público dos taxis e de seus motoristas. No entanto, o modelo de negócio de startups entrantes no setor se diferenciava substancialmente do serviço de táxi tradicional. Enquanto os taxistas operam sob um regime de serviço de autorização pelo Poder Concedente, com obrigações como a não recusa de passageiros e a adoção de tarifas pré-definidas, os motoristas cadastrados nos aplicativos desfrutavam de uma maior autonomia em questões como aceitar ou recusar corridas e preços variáveis calculados pela plataforma.

Como abordado acima, a questão primária era a classificação das atividades exercidas pelos aplicativos de ride hailing, tendo em vista a regulação vigente. Contudo, como se mostrou, as startups não exerciam propriamente a atividade de transporte individual de passageiros, já que não eram proprietárias de automóveis e/ou contratavam motoristas para exercer tais atividades. O que existia, na verdade, era um serviço de intermediação, pois, por meio dos aplicativos, as startups conectavam os usuários que queriam contratar serviços de transporte e motoristas que exerciam tal atividade. Assim, a atividade exercida pelas startups não poderia se enquadrar no arcabouço normativo vigente, o que levantou questões sobre sua legalidade pela previsão restritiva das normas para transporte individual de passageiros.

O início das atividades das startups de ride hailing é exemplo claro de que a legislação vigente muitas vezes não aborda adequadamente modelos de negócios inovadores. Nestes casos as empresas, entre outras alternativas, precisam ter em vista princípios constitucionais gerais que permitem manter suas atividades vigentes, tais como o da livre iniciativa (previsto no art. 170, caput e parágrafo único, da Constituição Federal).

O princípio da livre iniciativa prevê que será permitido o exercício das atividades sem intervenção excessiva do Estado na edição de leis limitadoras do exercício das atividades. Portanto, a ausência de legislação que aborde adequadamente o exercício da atividade não deve impedir que esta seja desenvolvida, cabendo ao poder público a regulamentação posterior.

Abordados os aspectos concernentes ao início das atividades da startup, é importante haver ciência de que questões regulatórias podem surgir, ainda que superadas dúvidas iniciais sobre a atividade a ser desenvolvida ou o método empregado. Portanto, é necessário um acompanhamento regulatório e normativo desde o início do desenvolvimento da atividade, na sua implementação e durante a vida da startup.

Inovação de Regulação

Como vimos acima, há um problema a ser enfrentado pelas startups no Brasil, qual seja a falta de alternativas regulatórias que incentivem a inovação no país, ou seja, iniciativas que permitam às startups exercerem suas atividades disruptivas em modelos regulatórios que incentivem à inovação, mas, ao mesmo tempo, de ao regulador mecanismos de controlar e fiscalizar os rumos dessas atividades inovadoras, para fins de salvaguardar os interesses coletivos.

Neste sentido, uma abordagem promissora para alcançar esse objetivo é a implementação de sandboxes regulatórios, que são ambientes controlados nos quais empresas podem testar ideias inovadoras de produtos e serviços em um ambiente regulatório flexível e adaptável. No Brasil, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) têm liderado iniciativas nesse sentido, promovendo sandboxes regulatórios para setores como Fintechs e Insurtechs.

Além disso, tanto o BACEN quanto a SUSEP têm aberto consultas públicas para embasar possíveis regulamentações de novos modelos de negócio que, por seu caráter disruptivo, não possuíam regulamentação adequada e específica. Essas consultas permitem a participação de diferentes stakeholders, incluindo empresas, academia e sociedade civil, na elaboração de regulações equilibradas, que promovam a inovação e protejam os interesses públicos.

No entanto, é importante reconhecer que a evolução tecnológica exigirá continuamente esforços da sociedade em criar novas formas e ferramentas para regulá-las. Por sua vez, os idealizadores de políticas públicas deverão buscar se atualizar a respeito de inovações legislativas e novas formatos regulatórios e, por seu turno, os empreendedores deverão se informar, atualizar e acompanhar a regulação vigente e seus possíveis desdobramentos, a fim de mensurar os riscos envolvidos ou relacionados àquela atividade que pretende exercer.

Importância do Acompanhamento Legislativo e Normativo

Conforme informado acima, é crucial que as startups, desde sua criação e durante sua consolidação no mercado, acompanhem de perto as legislações e normas vigentes e aquelas que serão promulgadas, independentemente de sua hierarquia para garantir a conformidade regulatória de suas atividades e evitar possíveis questionamentos legais no futuro.

É somente com acompanhamento jurídico próximo e qualificado, unido ao trabalho de colaboradores de políticas públicas, que as startups terão condições de navegar em mares tão tortuosos, como o da regulação no Brasil que é complexa e pouco intuitiva. Com referido acompanhamento, além de mensurar os potenciais riscos inerentes à atividade desempenhada, será possível proporcionar vantagens competitivas ao garantir as startups estejam alinhadas com as melhores práticas e padrões no mercado que atuam.

Em última análise, o acompanhamento próximo e atualizado de textos legislativos e regulatórios é uma parte essencial da estratégia de conformidade de uma startup e pode ajudar a garantir sua viabilidade e sucesso a longo prazo e, ainda, como se viu acontecer com o setor de ride hailing, será possível construir com o Poder Público políticas que sejam adequadas e melhorem os serviços ofertados à população sem perder de vistas os princípios que norteiam a atuação do Estado.

Conclusões

Conclui-se que as startups enfrentam uma série de desafios decorrentes da regulamentação inadequada aos seus modelos de negócios disruptivos e, principalmente, de diretrizes claras a respeito de seu futuro, o que muitas vezes geram incertezas jurídicas e regulatórias (a famigerada “insegurança jurídica”).

Questões regulamentares e normativas podem ser observadas e suscitadas na criação, na implementação e no decorrer das atividades das startups, portanto, é imprescindível que as startups estejam sempre acompanhadas de profissionais que sejam especialistas em políticas públicas e regulação para que, conjuntamente, com os demais setores das startups seja possível traçar as melhores estratégias e caminhos a serem seguidos para disruptar o setor.

Ainda, nesse contexto, é fundamental que as startups estejam atentas às regulamentações aplicáveis acompanhando de perto as mudanças legislativas e normativas em seu setor, pois a observância das leis existentes e o monitoramento das atualizações regulatórias são essenciais para garantir a conformidade e evitar possíveis consequências legais e regulatórias imediatas – que podem causar prejuízos e/ou até a falência da sociedade -, e/ou no futuro.

Além disso, o engajamento proativo em Associações, órgãos reguladores e junto a outras partes interessadas pode ajudar as startups a influenciar o desenvolvimento de políticas e regulamentações que sejam favoráveis ​​à inovação e ao crescimento sustentável do setor.

Em resumo, a superação dos desafios enfrentados pelas startups, sem dúvidas, requer uma abordagem holística que combine a vigilância às normas regulatórias aplicáveis Às startups, o engajamento proativo com Associações e reguladores e a colaboração entre todos os stakeholders do ecossistema de inovação.

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Vitor Martins

Atuo na área consultiva e contenciosa há mais de 12 anos, tendo atuado em operações de venture capital e M&A em operações relacionadas à nova economia digital. Sócio Fundador do escritório MBM Advogados, responsável pelas áreas de direito e internet e regulação. Graduado em Direito, Pós-Graduado em Direito Empresarial e Mestrando pela FGV Direito São Paulo.

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