O compartilhamento de momentos da infância nas redes sociais se tornou uma prática comum entre pais e responsáveis. Publicar fotos do primeiro dia de aula, vídeos engraçados ou conquistas dos filhos é visto como uma forma de registrar e celebrar momentos importantes. No entanto, essa prática, conhecida como sharenting (junção dos termos share – compartilhar – e parenting – parentalidade), levanta sérias questões sobre privacidade, segurança e proteção de dados de crianças e adolescentes.
Embora muitas vezes bem-intencionado, o sharenting pode expor menores de idade a riscos como roubo de identidade, uso indevido de imagens, assédio online e impactos na reputação digital no futuro. Além disso, legisladores e especialistas em privacidade alertam para a necessidade de um maior controle sobre a forma como essas informações são divulgadas e armazenadas na internet.
Neste artigo, exploramos os desafios do sharenting, os riscos envolvidos e as melhores práticas para garantir a privacidade e a segurança das crianças no ambiente digital.
O que é sharenting e por que ele se tornou um problema?
O sharenting se refere ao compartilhamento excessivo de informações sobre crianças e adolescentes por pais e responsáveis nas redes sociais e outras plataformas digitais. Esse comportamento se intensificou com o crescimento das mídias sociais e a cultura da superexposição na internet.
Um estudo publicado na Residência Pediátrica revelou que 13% das crianças avaliadas possuíam perfil em redes sociais, independentemente do sexo e da idade, e todas elas já utilizavam dispositivos de mídia diariamente. Aproximadamente 83% delas iniciaram o uso antes de 1 ano de idade e 17% entre 1 e 2 anos. 28,4% possuíam seus próprios aparelhos de mídia. Além disso, muitas imagens são postadas nas redes, pelas próprias crianças ou pelos pais, sem considerar quem pode acessá-las e como esses dados podem ser utilizados no futuro.
O problema é que, diferentemente dos adultos, crianças e adolescentes não têm controle sobre sua própria presença digital. Isso pode gerar consequências a longo prazo, incluindo constrangimentos futuros, dificuldades na construção da identidade digital e até mesmo problemas jurídicos e psicológicos.
Principais riscos do sharenting
Roubo de identidade e uso indevido de dados
A exposição de informações pessoais nas redes sociais pode facilitar fraudes e crimes digitais. Dados aparentemente inofensivos, como nome completo, data de nascimento e localização, podem ser usados para criação de perfis falsos ou até mesmo para roubo de identidade.
Casos de fraude infantil estão crescendo. De acordo com um estudo da Carnegie Mellon CyLab, as crianças são 51 vezes mais propensas a serem vítimas de roubo de identidade do que os adultos. O roubo de identidade infantil pode ocorrer de várias maneiras, incluindo a exposição involuntária de dados pelos próprios pais, violações de dados e comprometimento de contas online.
Exploração e abuso de imagens infantis
Imagens publicadas online podem ser copiadas, modificadas e reutilizadas de maneira imprópria. Algumas fotos de crianças compartilhadas de forma inocente acabam sendo usadas em sites de conteúdo ilegal ou em redes de exploração infantil.
A ONG National Center for Missing & Exploited Children alerta que criminosos digitais frequentemente buscam imagens em redes sociais públicas para compor bancos de dados de exploração infantil. Uma vez que essas fotos são baixadas, se torna impossível controlar seu uso e distribuição.
Impactos na reputação digital e na privacidade futura
Tudo o que é publicado na internet pode permanecer acessível por tempo indeterminado. O que pode parecer engraçado ou inofensivo na infância pode se tornar motivo de constrangimento na adolescência ou na vida adulta.
Muitos adolescentes relatam desconforto ao perceberem que detalhes de sua infância foram amplamente compartilhados sem seu consentimento, gerando dificuldades em sua vida social e profissional. Em alguns casos, esse excesso de exposição pode afetar oportunidades de emprego e até mesmo relacionamentos interpessoais no futuro.
Cyberbullying e riscos emocionais
Crianças que cresceram expostas no ambiente digital podem se tornar alvos de cyberbullying, especialmente se conteúdos embaraçosos ou pessoais forem compartilhados sem critério. Além disso, a ausência de controle sobre sua própria imagem pode gerar ansiedade e insegurança, afetando o desenvolvimento da identidade pessoal.
A legislação e a proteção de dados infantis
Diante dos riscos do sharenting, muitas legislações ao redor do mundo passaram a incluir medidas específicas para proteger os dados e a privacidade de crianças e adolescentes. Algumas das principais regulamentações incluem:
- Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Brasil: Estabelece que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deve ser realizado com o melhor interesse do menor em mente e requer consentimento explícito dos responsáveis.
- Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) – União Europeia: Impõe restrições rigorosas ao processamento de dados infantis e exige que plataformas digitais adotem medidas extras de proteção.
- Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA) – Estados Unidos: Exige que empresas obtenham autorização parental antes de coletar dados de menores de 13 anos e limita a exposição dessas informações.
Apesar dessas regulamentações, ainda há um grande vácuo na proteção digital infantil, especialmente quando os próprios pais são os responsáveis pela exposição dos dados.
Boas práticas para proteger a privacidade das crianças online
Se o sharenting já faz parte da rotina familiar, é possível adotar medidas para minimizar riscos e garantir que a privacidade das crianças seja respeitada. Algumas práticas recomendadas incluem:
Rever as configurações de privacidade das redes sociais
Antes de publicar qualquer conteúdo sobre crianças, verifique quem pode acessar essas informações. Prefira perfis privados e controle a lista de seguidores para evitar exposição desnecessária.
Evitar a exposição de informações sensíveis
Nunca publique detalhes como nomes completos, localização da escola, número de documentos ou qualquer dado que possa ser usado para identificação pessoal.
Pedir consentimento conforme a idade da criança
Se a criança já tem idade para entender o que está sendo postado, pergunte se ela concorda com a publicação. Ensinar desde cedo sobre privacidade digital ajuda a formar cidadãos mais conscientes e críticos.
Utilizar marcas d’água e limitar o compartilhamento de imagens
Caso precise compartilhar fotos, utilize marcas d’água para dificultar a cópia e evite imagens que possam ser manipuladas ou usadas indevidamente.
Dar o exemplo e promover a educação digital
Se os próprios pais não respeitam a privacidade dos filhos, será difícil ensinar a importância da proteção de dados no ambiente digital. Eduque a criança sobre os perigos da exposição excessiva e incentive o uso consciente da internet.
Em síntese, o sharenting pode parecer uma prática inofensiva, mas traz consigo desafios significativos relacionados à privacidade, proteção de dados e segurança digital de crianças e adolescentes. Com a crescente digitalização da sociedade, é fundamental que pais e responsáveis adotem uma postura mais cautelosa e consciente ao compartilhar informações online.
O equilíbrio entre registrar momentos especiais e garantir a segurança dos menores exige uma abordagem responsável e informada. Ao tomar medidas proativas para proteger a privacidade das crianças, é possível criar um ambiente digital mais seguro e respeitoso para as futuras gerações.