Auditoria interna em tecnologia ainda é só conformidade ou já virou inovação?

fevereiro, 2025‎ ‎ ‎ |

‎Por Sylvio Musto

Por muito tempo, a auditoria interna em tecnologia da informação (TI) foi encarada como um mecanismo de controle, um guardião da conformidade, sempre à espreita para assegurar que as empresas estivessem dentro dos limites regulatórios. Não era vista como uma área de transformação, mas como uma necessidade burocrática. Essa visão está mudando.

Com o avanço da transformação digital, a auditoria interna deixou de ser apenas um escudo contra riscos e passou a atuar como um motor de inovação. Hoje, empresas que adotam tecnologias como inteligência artificial (IA), machine learning e automação conseguem realizar auditorias mais ágeis, preditivas e integradas ao negócio. Como um estudo da Deloitte aponta a importância da transformação digital na auditoria interna. Em seu artigo “Digital Internal Audit: It’s a journey, not a destination“, a Deloitte destaca que a digitalização permite maior eficiência, insights aprimorados e melhor alinhamento com as estratégias organizacionais.

Mas como essa mudança aconteceu? Como a auditoria interna, antes sinônimo de rigidez e conservadorismo, está ajudando empresas a inovar sem comprometer a segurança e a conformidade? É isso que exploramos neste artigo.



Conformidade e riscos: a base da auditoria interna

Por mais que a auditoria interna esteja se reinventando, sua essência continua enraizada na necessidade de garantir a conformidade. Afinal, regulamentações como a Sarbanes-Oxley (SOx)¹  nos Estados Unidos, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na Europa não são apenas diretrizes burocráticas – elas moldam o modo como as empresas operam.

¹ Segundo a Microsoft, a Lei Sarbanes-Oxley de 2002 (SOX) é uma lei federal dos EUA administrada pela Comissão de Valores Mobiliários (SEC). Entre outras coisas, a SOX exige que as empresas comercializadas publicamente tenham estruturas de controle interno adequadas para validar que as suas demonstrações financeiras reflitam os seus resultados financeiros com precisão. A SOX é fortemente influenciada pelos processos internos dos clientes, especialmente quando se trata de controles de relatórios financeiros. Por exemplo, os requisitos da SOX envolvem controles internos dos clientes para a preparação e revisão das demonstrações financeiras e, especialmente, controles que afetam a precisão, a exatidão, a eficácia e a divulgação pública de alterações materiais relacionadas com relatórios financeiros.

A auditoria, quando bem conduzida, não deve ser encarada como um obstáculo, mas como um fator de credibilidade que fortalece a sustentabilidade dos negócios. Esse conceito já faz parte da realidade do mercado: a PwC destaca a importância de um gerenciamento de riscos eficaz para equilibrar inovação e segurança. No estudo “Gerenciando riscos e promovendo o crescimento na era da inovação“, a PwC enfatiza que uma abordagem rigorosa e abrangente na gestão de riscos é fundamental para alcançar os objetivos estratégicos das organizações.

No entanto, a auditoria não se limita à mitigação de riscos. Seu maior diferencial está na capacidade de revelar oportunidades. Mais do que revisar processos existentes, o auditor atual atua como um estrategista na construção de soluções.

Exemplo prático

O setor financeiro foi um dos primeiros a adotar essa nova mentalidade. Antes, auditorias bancárias eram processos morosos, realizados a cada trimestre. Hoje, grandes bancos utilizam monitoramento contínuo baseado em IA para identificar fraudes e anomalias em tempo real, reduzindo prejuízos e otimizando processos.



A tecnologia como aliada da auditoria interna

Se a auditoria interna está assumindo um papel estratégico, é porque novas tecnologias permitem que isso aconteça. Algumas das inovações mais impactantes incluem:

Inteligência artificial e machine learning

A IA trouxe para a auditoria algo que antes era impensável: capacidade preditiva. Em vez de reagir a problemas, os auditores agora podem prever riscos e atuar antes que eles se concretizem.

Como explica Thomas Davenport em The AI Advantage (2018), a IA não apenas processa grandes volumes de dados, mas também encontra padrões ocultos que escapariam a análises humanas. Isso significa que uma auditoria pode identificar fraudes, falhas operacionais e vulnerabilidades cibernéticas antes que elas causem impactos.

Situação hipotética: Um grande varejista global implementou um sistema de machine learning para auditar automaticamente transações financeiras. Em menos de um ano, detectou mais de US$ 5 milhões em transações suspeitas que passariam despercebidas em auditorias tradicionais.

Detecção proativa de desvios e acompanhamento tempestivo

Ferramentas baseadas em IA identificam padrões sutis de comportamento que indicam fraudes ou não conformidades e geram alertas automáticos e relatórios detalhados para as áreas de controle relevantes, melhorando a comunicação entre as equipes de auditoria e outras áreas da empresa, promovendo transparência e colaboração.

Em seu relatório “Navigating the artificial intelligence frontier | An introduction for internal audit”, a Deloitte destaca como a IA permite análises sofisticadas de dados, detecção de anomalias e identificação de padrões indicativos de fraude, não conformidade ou ineficiências operacionais. Com ferramentas de IA, as organizações podem adotar auditorias contínuas que fornecem insights em tempo real e identificação oportuna de riscos e deficiências de controle.

Situação hipotética: Uma empresa de logística conhecida por realizar entregas rápidas implementou IA para auditoria contínua, identificando padrões incomuns de rotas e cargas em tempo real, evitando perdas e melhorando a eficiência operacional.

Automação e RPA (Robotic Process Automation)

Auditorias tradicionais sempre dependeram de análises manuais e revisões de documentos, um processo lento e suscetível a erros. Com a automação robótica de processos (RPA), essa realidade mudou.

A McKinsey destaca que a automação robótica de processos (RPA) pode agregar valor substancial a diversas atividades, incluindo monitoramento de rede, identificação e resolução de problemas remotamente, expedição automatizada e instalações de autosserviço. Essas aplicações permitem que os profissionais se concentrem em tarefas que envolvem raciocínio e considerações mais sofisticadas, liberando-os de atividades repetitivas.

Situação hipotética: Uma multinacional do setor farmacêutico automatizou a auditoria de conformidade regulatória utilizando RPA, reduzindo o tempo de revisão de documentos de semanas para horas.

Blockchain e auditoria imutável

Se há uma tecnologia que pode redefinir a auditoria interna, essa tecnologia é o blockchain. Com sua estrutura descentralizada e registros imutáveis, o blockchain elimina a possibilidade de adulteração de dados, trazendo um nível inédito de transparência e confiabilidade para os processos.

Como aponta Don Tapscott em Blockchain Revolution (2016), o blockchain pode tornar auditorias manuais obsoletas ao criar registros digitais que são automaticamente verificáveis e incorruptíveis.

Exemplo: Empresas do setor logístico estão usando blockchain para rastrear toda a cadeia de suprimentos, garantindo conformidade automática e reduzindo drasticamente o tempo gasto em auditorias.



Auditoria interna como impulsionadora da inovação

A auditoria interna não precisa ser apenas um mecanismo de controle – ela pode ser um catalisador da inovação. Quando integrada à estratégia da empresa, a auditoria se torna um parceiro do desenvolvimento tecnológico, ajudando a criar produtos mais seguros e processos mais eficientes.

Auditoria no desenvolvimento ágil

Tradicionalmente, a auditoria entrava no ciclo de desenvolvimento de software apenas na fase final, muitas vezes atrasando lançamentos. Hoje, empresas inovadoras estão adotando auditorias contínuas dentro de metodologias ágeis, garantindo que segurança e conformidade sejam incorporadas desde o início. A abordagem “Shift Left” apoia esse processo ao antecipar atividades críticas, como testes e revisões, para as fases iniciais do desenvolvimento.

O artigo “AI’s contribution to Shift-Left Testing” do Xray Blog_ discute como a IA está evoluindo o Shift Left Testing no apoio aos testes em estágios iniciais – principalmente durante as fases de design e desenvolvimento – e fornecendo para as equipes de QA, ferramentas para gerar testes automatizados, análise preditiva, testes auto-corretivos e cobertura de testes aprimorada._

Exemplo: Startups do setor financeiro implementam auditorias contínuas em seus pipelines DevOps, permitindo que novos produtos sejam lançados sem comprometer a conformidade regulatória.

Auditoria de cibersegurança como diferencial competitivo

Empresas que investem em auditoria de segurança cibernética não apenas evitam ataques, mas também ganham um selo de confiabilidade que pode ser um diferencial no mercado.

Portanto, a auditoria interna em tecnologia passou de um mero fiscalizador para um agente de transformação digital. A adoção de IA, machine learning, automação e blockchain está permitindo que auditorias sejam mais rápidas, eficazes e estratégicas.

Empresas que compreendem essa nova realidade não apenas evitam riscos e reduzem custos, mas também criam ambientes mais seguros e propícios à inovação. Como conclui um relatório da EY (2022), a auditoria interna digitalizada não é mais uma tendência – é uma necessidade competitiva.

Exemplo: Recentemente, o Itaú veiculou por meio de uma estratégia multimídia, campanhas de conscientização sobre segurança da informação e privacidade de dados, reforçando seu compromisso com estes temas, e utilizando deste engajamento como diferencial competitivo no mercado em comparação às suas concorrentes



Perspectivas Futuras

A incorporação da inteligência artificial na auditoria interna representa um avanço significativo rumo à inovação e à eficiência. Ao permitir o cruzamento massivo de dados e agilizar processos, a IA fortalece a capacidade das auditorias de atuarem de forma preventiva e estratégica.

Investir em tecnologias de IA e capacitar as equipes para utilizá-las efetivamente é essencial para as empresas que desejam se manter competitivas e preparadas para os desafios futuros. A auditoria interna, munida dessas ferramentas, torna-se não apenas um guardião da conformidade, mas também um agente de mudança e um aliado na busca por excelência operacional.

Sylvio-Musto-Neto

CONSELHEIR@

Sylvio Musto Neto

Sylvio Musto é Supervisor de Auditoria Interna (Tech & Cyber) no Mercado Livre e Professor de Tecnologia, com mais de 15 anos de experiência em TI e Segurança da Informação. É pós-graduado em Gestão de Segurança da Informação pela UNICIV e em Liderança e Gestão Estratégica de Pessoas pela FIA Business School. Com vasta experiência em auditoria interna e segurança cibernética, ele instrui profissionais e compartilha insights sobre segurança cibernética, auditoria interna, governança de TI e inovação tecnológica. Mantém um perfil ativo no LinkedIn com mais de 8 mil seguidores, onde publica conteúdos sobre tendências tecnológicas, melhores práticas em segurança da informação e desenvolvimento profissional na área de tecnologia

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