Byung-Chul Han, em a “Crise da Narração”, alerta que vivemos na era da desnarrativização.
Nela, a vida torna-se um somatório de eventos fragmentados, como uma timeline infinita sem fio condutor. Os fatos se amontoam, mas não se conectam. Somos bombardeados por informações todos os dias, que são meramente desenhadas para o serviço dos nossos estímulos. É a modernidade tardia. A Náusea de Sartre. É o brain-rot da era digital
Também há uma desnarrativização arquitetural. Comparemos fachadas de restaurantes – principalmente fast-foods – no começo dos anos 2000 e em 2025. Cores berrantes, símbolos icônicos e parquinhos de diversão, contava-se uma história. Hoje, dá lugar ao minimalismo industrial frio, polido e cinzento. O mesmo para casas. O mesmo para os carros. Por que não vemos mais carros azuis, vermelhos e amarelos como antes?
Nas organizações, a lógica não é diferente. De deadlines a deadlines, tudo parece estar se esvaindo num continuum de fatos. A sucessão fria de tarefas pode transformar organizações em máquinas operacionais e eficientes, mas incapazes; ou melhor, sem tempo ou paciência; de inspirar.
Isso traz um desafio enorme às empresas – O de construir cultura.
Sem narrativas que conectem as ações a um propósito maior, a cultura organizacional pode se perder na sucessão arbitrária de iniciativas e de slogans descartáveis. Pode ser que também estejamos perdendo a capacidade de contar histórias – e, com ela, a chance de construir futuros.
Como enfrentar este desafio? Ainda segundo Sartre, “Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, é preciso e basta que nos ponhamos a narrá-lo”.
Cultura se constroi com narração. Com histórias. Dá nexo a uma sucessão de fatos frios, transformando-os em desafios enfrentados. Cria memória. A história das pessoas que ali estão e que ali estiveram. Mobilizam, inspiram e criam laços emocionais, dando o sentido de pertencer. Cria uma comunidade em que os valores emergem naturalmente. Ela abre futuros possíveis, dá esperança e, finalmente, impede que nos arrastemos no tempo.
E como os líderes podem usar a narrativa de diversas formas a favor da cultura organizacional?
- Construir cultura: Não se transmite valores por manuais ou discursos técnicos, mas por meio de histórias de como esses valores se manifestam no cotidiano. Cultura é feita de memórias – que são narrativas e são organizadas em forma de histórias, conectando fatos com significados e emoções.
- Transformar cultura: Para promover mudanças, é necessário criar uma narrativa inspiradora que engaje a comunidade e gere momentum. Mudanças reais surgem da reflexão coletiva – e a reflexão se ancora em histórias que permitem enxergar o presente e projetar o futuro.
E como tornar estas narrativas mais efetivas?
- Não use narrativas para convencer, manipular ou instrumentalizar: As narrativas não devem ser criadas apenas para gerar informações para consumo. Muito menos persuadir. Isso é storyselling, não storytelling. Líderes devem se preocupar em dar contexto suficiente para conectar estratégias, indicadores, iniciativas e decisões. Cada movimento deve se conectar a uma história maior.
- Narração só é efetiva com escuta ativa: Escutar ativamente exige paciência para narrar e para escutar. A escuta ativa é intencional. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Gosto de recomendar que ouçamos com a curiosidade das crianças: Elas veem o mundo com espanto, atribuindo sentido a tudo ao seu redor.
- Aproveite momentos existentes para contar histórias: Aproveite reuniões, happy hours, offsites e outros encontros para incorporar narrativas necessárias. Por exemplo, compartilhar histórias de impacto ou celebrar pequenas vitórias. Compartilhar erros e acertos. Isso ajuda reforçar os valores da empresa e cria uma experiência vivencial da cultura.
Conclusão
A cultura organizacional se sustenta na capacidade de criar e manter narrativas vivas. A era da desnarrativização desafia as empresas a resgatar o poder das histórias para dar sentido à sua existência e ao engajamento de seus membros. Líderes que compreendem esse poder não apenas gerenciam, mas inspiram. Ao construir histórias autênticas, criam não apenas uma organização funcional, mas uma comunidade com identidade e propósito.