Scrum ou Kanban: como saber a hora certa de trocar de método?

‎Por Olsen Mott

A escolha entre Scrum e Kanban vai muito além de uma simples preferência metodológica. Ela reflete a maturidade do time, o contexto do produto, a previsibilidade do trabalho e o tipo de problema que se está tentando resolver. Muitos times iniciam sua jornada ágil com o Scrum por ser uma estrutura prescritiva, com papéis bem definidos, rituais claros e cadência fixa. Porém, com o passar do tempo, algumas dores começam a surgir, e é aí que o Kanban aparece como uma alternativa mais fluida e adaptável.

A principal diferença entre os dois não está em suas ferramentas, mas na filosofia por trás. O Scrum busca ciclos curtos com entregas incrementais, estruturando o trabalho em sprints. Já o Kanban parte da visualização contínua do fluxo de trabalho, limitando o trabalho em progresso e incentivando a melhoria contínua. Enquanto o Scrum empacota demandas e define compromissos para o ciclo seguinte, o Kanban abraça a incerteza e ajusta o ritmo de entrega com base na capacidade real do time.

Saber o momento de migrar de Scrum para Kanban envolve analisar sintomas claros. Quando os sprints deixam de ser relevantes, e o time constantemente carrega tarefas de um sprint para outra, é sinal de que a cadência fixa talvez não esteja mais funcionando. O mesmo vale quando as cerimônias começam a parecer burocráticas ou pouco úteis, gerando mais atrito do que alinhamento real. Esses são indícios de que talvez seja a hora de revisar o modelo e experimentar algo mais leve.

Outra situação recorrente é a de produtos em estágio de manutenção ou com demandas muito variáveis. Nessas situações, o esforço de planejar sprints e definir compromissos com antecedência perde valor. O time passa mais tempo reorganizando tarefas do que produzindo valor. O Kanban, por sua natureza contínua e visual, se encaixa melhor nesse cenário, pois permite responder de forma rápida às mudanças sem quebrar compromissos previamente estabelecidos.

Times mais maduros, que já dominam os princípios ágeis, tendem naturalmente a buscar menos rigidez e mais fluidez. O Kanban oferece essa liberdade, mas com responsabilidade. Limitar o WIP (Work In Progress), medir o lead time e observar gargalos no fluxo exige disciplina, mesmo que a estrutura seja menos prescritiva. Portanto, a migração não deve ser feita apenas por cansaço do Scrum, mas por uma real necessidade de adaptação à natureza do trabalho.

Também é importante entender que mudar de metodologia não significa abandonar os aprendizados anteriores. Muitos conceitos do Scrum continuam válidos mesmo em ambientes Kanban, afinal o Kanban bebe da água do Scrum. A retrospectiva, por exemplo, é uma prática valiosa para times que buscam melhoria contínua, independentemente da abordagem usada. O que muda é como o time se organiza, não o objetivo final de entregar valor de forma eficaz.

A migração para o Kanban deve ser feita com clareza e comunicação transparente. O time precisa entender os motivos da mudança, os novos acordos de trabalho e os indicadores que serão acompanhados. Implementar um quadro visível, com políticas explícitas e limites de WIP, é o primeiro passo para que todos visualizem o fluxo e identifiquem onde o processo pode ser otimizado.

Outro aspecto importante é o relacionamento com stakeholders. Em ambientes onde o Scrum era usado como garantia de previsibilidade, mudar para Kanban pode gerar desconforto. Por isso, é fundamental trabalhar a comunicação com as partes interessadas, explicando como o novo modelo traz mais visibilidade contínua, permite entregas mais rápidas e melhora a capacidade de resposta às mudanças.

É comum que alguns gestores vejam o Kanban como “menos ágil” por não ter sprints ou cerimônias formais. Essa visão é equivocada. O que define um time ágil não é o nome do framework, mas a capacidade de entregar valor de forma frequente, com qualidade e adaptabilidade. Um time usando Kanban com foco em melhoria contínua pode ser muito mais ágil do que outro preso a cerimônias vazias de significado e ineficientes.

Existem, no entanto, momentos em que o Scrum ainda é a melhor opção. Produtos em fase inicial, com times novos e baixa previsibilidade, se beneficiam da estrutura do Scrum para criar alinhamento e ritmo. Mas conforme a equipe amadurece e o fluxo se torna mais previsível, o Kanban ganha força como uma forma mais orgânica de organizar o trabalho.

Uma estratégia interessante pode ser adotar práticas híbridas, usando elementos dos dois mundos. É possível manter cadência de review e retrospectiva mesmo em um ambiente Kanban. Da mesma forma, é viável trabalhar com objetivos de curto prazo sem necessariamente fixar sprints. O importante é que as práticas estejam a serviço do time e não o contrário.

Do ponto de vista técnico, o Kanban também favorece ambientes com alta demanda de suporte e incidentes. Como não há a necessidade de planejar, o time pode priorizar rapidamente demandas emergenciais sem quebrar um sprint. Isso torna o processo mais resiliente e compatível com a realidade de produtos digitais em operação constante.

A cultura organizacional também deve ser considerada. Times que valorizam autonomia, aprendizado contínuo e transparência tendem a se adaptar melhor ao Kanban. Já culturas mais orientadas a controle e previsão talvez sintam mais segurança no modelo Scrum. A escolha entre os dois não deve ser ideológica, mas estratégica, baseada nas reais necessidades do negócio.

Outro ponto de atenção está na medição de desempenho. No Scrum, a velocidade do time é usada como referência para planejamento. No Kanban, o foco muda para métricas como lead time, rendimento (throughput) e tempo de ciclo. Essa mudança exige maturidade na leitura dos dados e comprometimento com a melhoria contínua baseada em evidências, não em achismos.

A decisão de trocar Scrum por Kanban não deve ser reativa, mas reflexiva. É preciso observar os sinais do time, os resultados entregues, os obstáculos enfrentados e o grau de satisfação das pessoas envolvidas. Se as cerimônias perderam sentido, se a entrega está fragmentada e se a previsibilidade se tornou uma ilusão, talvez o problema não esteja na execução, mas no modelo adotado.

Por outro lado, é fundamental não transformar o Kanban em um quadro bonito sem propósito. Quando mal implementado, o Kanban vira apenas uma parede com post-its. Para funcionar de verdade, é preciso definir políticas claras, revisar o fluxo com frequência e ter coragem de eliminar gargalos que antes ficavam escondidos nos sprints.

A mudança para o Kanban é, na essência, uma decisão de foco. Em vez de olhar para o tempo e se comprometer com datas, olha-se para o fluxo e se compromete com a estabilidade. Em vez de planejar para depois, entrega-se o que está pronto agora. Isso exige coragem, confiança e um ambiente onde o aprendizado é contínuo.

Mudar de metodologia pode ser um passo transformador, desde que seja feito com consciência. Não existe um modelo melhor ou pior, mas sim o mais adequado para o momento. À medida que o produto e o time evoluem, a forma de trabalhar também deve evoluir. E reconhecer isso é o primeiro sinal de maturidade de uma equipe verdadeiramente ágil.

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CONSELHEIR@

Olsen Mott

Carreira desenvolvida na área de gestão de projetos de TI na área da saúde. Atuou 3 anos como CTO da AmorSaúde, a maior rede de clínicas médico odontológicas do Brasil. Atualmente atua como CTO na Play Technology. Trabalha há mais de 15 anos no mercado de tecnologia em saúde. Experiência com visão de processos e negócios, gestão de equipes e suporte, gerenciamento e escritório de projetos (PMO). Certificado PMP®, vasto conhecimento em Planejamento e Gerência de Projetos, MS Project e SCRUM. Especialista em desenvolvimento de soluções digitais. Entusiasta e professor de Inteligência Artificial. Formado em Informática Biomédica pela USP, com MBA em Saúde com Ênfase na Gestão de Clínicas e Hospitais pela FGV e especialização em Gestão de Tecnologia pelo Insper-SP.

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