Trunk-Based Development é o caminho inevitável para o futuro da entrega contínua?

‎Por Olsen Mott

No mundo do desenvolvimento de software, poucos conceitos ganharam tanta tração nos últimos anos quanto o Trunk-Based Development (TBD). Trata-se de uma abordagem que contraria décadas de práticas baseadas em ramificações longas e ciclos de integração complexos. Em vez disso, propõe um fluxo contínuo de trabalho, onde todos os desenvolvedores contribuem para uma única branch, o trunk, com integrações frequentes e entregas incrementais. Parece arriscado à primeira vista, mas é justamente essa simplicidade que tem feito do TBD uma das práticas mais eficazes na busca pela verdadeira entrega contínua.

A entrega contínua depende de um pipeline fluido, onde as mudanças de código chegam rapidamente à produção, com testes automatizados garantindo a qualidade. Em estruturas tradicionais, isso frequentemente esbarra em conflitos de merge, longas revisões de código e ambientes inconsistentes. O TBD resolve esses pontos ao forçar uma cultura de integração constante. Cada mudança feita é pequena, testável e integrada em tempo real, reduzindo significativamente o acúmulo de débito técnico.

Essa abordagem, no entanto, exige maturidade técnica e disciplina de equipe. Não se trata apenas de mudar a estratégia de versionamento, mas de transformar completamente como times colaboram. É preciso confiar nos testes automatizados, investir em observabilidade, e ter confiança no rollback rápido. O que parece uma simples mudança no repositório é, na prática, uma reestruturação da mentalidade ágil.

Muitas empresas ainda resistem ao TBD porque se sentem mais confortáveis com o modelo GitFlow ou outros fluxos baseados em múltiplas branches. A ideia de criar funcionalidades isoladas em branches próprias, testá-las e só depois integrá-las parece mais segura. O problema é que quanto mais tempo uma branch vive separada, maior o risco de conflito com o trunk (branch principal) e maior a dificuldade de prever o impacto das mudanças. O TBD reduz esse intervalo para horas — ou até minutos — mantendo o código base sempre saudável.

Empresas que adotaram o TBD em escala relatam não apenas maior velocidade de entrega, mas também melhoria na qualidade do software. Isso porque os testes automatizados precisam ser levados a sério desde o início. Como o tempo entre o commit e a entrega é curto, não há espaço para “jeitinhos temporários” que ficam no ar por semanas. Tudo que entra no trunk precisa funcionar, e isso aumenta o comprometimento com boas práticas desde o primeiro dia de desenvolvimento.

Além disso, o TBD facilita o uso de técnicas como feature flags, que permitem a entrega de funcionalidades incompletas sem impactar os usuários finais. Em vez de esperar que uma feature esteja 100% pronta para ser integrada, ela já é incluída no trunk com proteções que a mantém invisível até que esteja estável. Isso permite ciclos de desenvolvimento curtos, com visibilidade constante sobre o impacto de cada alteração.

Outro ganho importante é a redução de retrabalho. Em fluxos com branches longas, é comum que mudanças feitas em paralelo por outros times tornem uma feature obsoleta ou causem regressões. No TBD, como todos estão trabalhando sobre o mesmo tronco, o feedback é quase imediato. Isso reduz frustrações e elimina a necessidade de longas sessões de debugging para entender o que quebrou após o merge.

Do ponto de vista organizacional, o TBD também promove mais colaboração entre times. Não há mais a sensação de que “o meu código está separado e protegido”. Todos compartilham o mesmo espaço de desenvolvimento, o que reforça a cultura de responsabilidade coletiva pela qualidade do produto. Times que adotam essa prática acabam desenvolvendo hábitos de comunicação mais fluidos, revisões mais frequentes e aprendizados mais rápidos.

É claro que nem todo ambiente está pronto para o TBD de imediato. Em sistemas legados, com arquitetura monolítica e testes frágeis, a adoção pode ser desafiadora. No entanto, o caminho para o futuro passa necessariamente por tornar esses sistemas mais modulares, mais testáveis e mais preparados para integração contínua. O TBD, nesse sentido, é menos um destino e mais uma bússola que aponta a direção para onde a engenharia de software está caminhando.

A integração contínua, tão valorizada nos últimos anos, só encontra sua plenitude quando combinada com o TBD. Ferramentas como Jenkins, GitHub Actions e GitLab CI/CD são apenas enfeites se não há um fluxo de integração que favoreça a experimentação segura e a entrega incremental. O TBD coloca essa filosofia em prática ao exigir entregas pequenas, testadas e prontas para produção a qualquer momento.

O impacto disso nos negócios é direto: menos tempo de desenvolvimento, mais previsibilidade nas entregas e maior adaptabilidade às mudanças de mercado. Empresas que conseguem colocar funcionalidades novas no ar em poucos dias têm uma vantagem competitiva inegável sobre concorrentes que levam semanas, ou meses para fazer o mesmo. Empresas classificadas como performance Alta ou Elite nas métricas DORA (DevOps Research and Assessment) fazem deploys diários. 

Do ponto de vista da liderança técnica, adotar TBD significa confiar mais nas pessoas e menos nos processos burocráticos. É uma aposta na autonomia dos times, no poder do feedback constante e na melhoria contínua. Por isso, é fundamental treinar a equipe, reforçar a cultura de testes e garantir que a infraestrutura de CI/CD esteja preparada para suportar esse novo ritmo de trabalho.

O TBD também se encaixa perfeitamente com práticas como DevOps, onde o objetivo é reduzir barreiras entre desenvolvimento e operação. Ao entregar pequenas mudanças com frequência, os riscos de incidentes caem, e o time de operações consegue responder com mais agilidade. A comunicação entre áreas melhora, e o foco sai do “quem causou o problema” para “como aprendemos com isso e evoluímos o sistema”.

Não se trata de uma prática restrita a startups ou times pequenos. Grandes empresas como Google, Netflix e Amazon usam princípios de TBD em seus fluxos de entrega. Se esses gigantes, com arquiteturas extremamente complexas, conseguem colher os frutos da integração contínua real, isso mostra que a prática é escalável e aplicável em contextos variados, desde que haja comprometimento com qualidade e automação.

A adoção de TBD também favorece o aprendizado contínuo. Com ciclos curtos e entregas frequentes, é mais fácil experimentar hipóteses, medir resultados e ajustar o rumo. O código deixa de ser um produto final e passa a ser um organismo em constante evolução. Essa mentalidade é vital em um mundo onde os requisitos mudam o tempo todo e o sucesso depende da capacidade de se adaptar rapidamente.

Os desafios existem, claro. Adotar TBD exige disciplina, testes confiáveis, builds rápidos e times comprometidos. Mas os benefícios são claros: maior velocidade, menor complexidade no merge, mais estabilidade e colaboração real. Para quem busca entregar valor de forma contínua, o TBD não é apenas uma tendência, é um caminho inevitável.

A resistência ao TBD, em muitos casos, está enraizada em hábitos antigos, não em argumentos técnicos. Mudar exige coragem, mas continuar preso a ciclos longos e entregas travadas é ainda mais arriscado. Ao contrário do que muitos pensam, não é o código que quebra o sistema, mas a falta de integração entre quem o escreve e quem o usa.

À medida que o mercado evolui e a exigência por entregas rápidas e seguras aumenta, práticas como Trunk-Based Development deixam de ser opcionais e se tornam pilares da engenharia moderna. Não estamos apenas falando de uma forma mais eficiente de escrever código, mas de uma transformação cultural profunda.

Afinal, o futuro da entrega contínua está sendo moldado hoje, e o trunk é o tronco que sustenta essa nova floresta de possibilidades.

Olsen-Mott_1910

CONSELHEIR@

Olsen Mott

Carreira desenvolvida na área de gestão de projetos de TI na área da saúde. Atuando há mais de 3 anos como CTO da AmorSaúde, a maior rede de clínicas médico odontológicas do Brasil. Trabalha há mais de 15 anos no mercado de tecnologia em saúde. Experiência com visão de processos e negócios, gestão de equipes e suporte, gerenciamento e escritório de projetos (PMO). Certificado PMP®, vasto conhecimento em Planejamento e Gerência de Projetos, MS Project e SCRUM. Especialista em desenvolvimento de soluções digitais. Entusiasta e professor de Inteligência Artificial. Formado em Informática Biomédica pela USP, com MBA em Saúde com Ênfase na Gestão de Clínicas e Hospitais pela FGV e especialização em Gestão de Tecnologia pelo Insper-SP.

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