Estamos preparados para preservar nossa humanidade diante da inteligência artificial?

‎Por Fabio Szescsik

A transformação digital remodelou profundamente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Entre todas as revoluções tecnológicas, a inteligência artificial tem se destacado não apenas pelo seu poder de automação e análise de dados em larga escala, mas também pela maneira como começa a ocupar espaços antes considerados exclusivamente humanos. Diante disso, surge uma pergunta inevitável: como preservar nossa humanidade num mundo cada vez mais dominado por máquinas inteligentes?

A resposta pode estar onde menos se espera: nas soft skills. Em um cenário em que algoritmos superam os humanos em tarefas lógicas, previsíveis e repetitivas, as habilidades interpessoais ganham uma nova dimensão de valor. Empatia, escuta ativa, criatividade, pensamento crítico, inteligência emocional e comunicação eficaz deixam de ser atributos acessórios para se tornarem pilares da atuação humana no século XXI.

A inteligência artificial, por mais avançada que se torne, ainda carece da complexidade emocional e contextual que define a experiência humana. Um robô pode diagnosticar doenças com base em imagens, mas não confortar um paciente com palavras. Um algoritmo pode sugerir decisões com base em dados, mas não assumir a responsabilidade ética por suas consequências. Neste sentido, as soft skills são a principal fronteira que nos diferencia das máquinas — e talvez a única que garanta nossa relevância no futuro do trabalho.

De acordo com o relatório “The Future of Jobs” do Fórum Econômico Mundial, habilidades como resolução de problemas, pensamento analítico e inovação estão entre as mais demandadas globalmente. O mesmo estudo aponta que até 2025, cerca de 50% dos profissionais precisarão se requalificar devido às mudanças tecnológicas. Isso indica que, embora a IA possa substituir funções técnicas, ela não elimina a necessidade de habilidades humanas — apenas muda o foco do que será valorizado.

Nas empresas, já se percebe um deslocamento da expectativa dos líderes. Contratar um desenvolvedor com habilidades técnicas é importante, mas reter um profissional capaz de colaborar, propor soluções criativas e se comunicar com clareza tornou-se ainda mais estratégico. O diferencial competitivo passa a ser menos o conhecimento técnico bruto e mais a capacidade de interagir, adaptar e inovar em contextos diversos.

Essa mudança impacta diretamente a educação. Currículos baseados exclusivamente em competências técnicas estão se tornando obsoletos. A aprendizagem contínua agora precisa incluir o desenvolvimento socioemocional. Escolas e universidades que ignorarem esse movimento correm o risco de formar profissionais que serão rapidamente substituídos por máquinas. Ensinar alunos a pensar, dialogar, compreender o outro e resolver problemas com empatia será tão essencial quanto ensinar matemática ou programação.

É preciso compreender que as soft skills não são “inatas” ou “menos objetivas”. Elas podem — e devem — ser desenvolvidas com a mesma seriedade com que se aprende qualquer habilidade técnica. Soft skills são, muitas vezes, moldadas pela prática, pelo autoconhecimento, pelo feedback e pela experiência. São resultado de uma cultura organizacional que valoriza o humano e incentiva relações autênticas.

No ambiente corporativo, a valorização dessas habilidades também está ligada ao clima organizacional e à saúde mental dos colaboradores. Ambientes empáticos e colaborativos, onde a escuta ativa e a transparência são cultivadas, tendem a ter maior retenção de talentos, maior produtividade e menor índice de burnout. Em tempos de IA, cuidar das relações humanas dentro das empresas se torna um diferencial de sustentabilidade.

A inteligência artificial não precisa ser inimiga da humanidade. Ela pode, ao contrário, ser aliada de um novo modelo de sociedade em que o que nos torna humanos se torne ainda mais evidente. Mas para isso, é necessário assumir que a convivência entre humanos e máquinas exige responsabilidade, ética e sensibilidade. E isso começa pela valorização das competências que só os humanos têm.

Um bom exemplo disso são os líderes que, ao adotarem soluções baseadas em IA, não se limitam a olhar para o desempenho operacional, mas se preocupam com o impacto dessas ferramentas sobre seus times. Um algoritmo pode ajudar na triagem de currículos, mas apenas um recrutador empático é capaz de entender as nuances que tornam um candidato especial, mesmo que fora do padrão estatístico.

Na saúde, médicos que utilizam IA para diagnósticos ainda precisam de sensibilidade para comunicar más notícias, lidar com angústias e tomar decisões com base em valores e não apenas em dados. No direito, advogados que utilizam automação para análises jurídicas continuam sendo responsáveis por construir argumentos éticos e representar causas humanas. A IA não anula a profissão, mas redefine seu foco — e coloca as soft skills no centro do palco.

Mesmo no setor de tecnologia, onde a IA é protagonista, empresas como Google, Microsoft e IBM estão investindo cada vez mais em treinamentos voltados à empatia, à escuta ativa e à colaboração. Elas entendem que o futuro da inovação não depende apenas da potência dos algoritmos, mas da capacidade humana de sonhar, questionar e sentir. O código pode ser perfeito, mas só a empatia conecta.

O risco que corremos é o de subestimar o que não é mensurável. Num mundo regido por métricas e KPIs, as soft skills muitas vezes parecem subjetivas, difíceis de avaliar. Mas são justamente essas habilidades intangíveis que sustentam a confiança, a liderança e a cultura de qualquer organização. E confiança, como sabemos, é a base da inovação.

Essa nova economia, impulsionada por IA, exige de nós um duplo movimento: adaptar-se ao uso das máquinas e aprofundar o que temos de mais humano. Um paradoxo necessário para que a tecnologia não nos transforme em replicadores de comandos, mas em seres cada vez mais conscientes de nossa singularidade.

O debate sobre a substituição do ser humano pela máquina ganha contornos mais sensatos quando entendemos que não se trata de competir com a IA, mas de conviver com ela a partir das nossas singularidades. É um convite à autorreflexão: o que nos torna insubstituíveis? O que só o humano pode fazer?

A resposta, cada vez mais clara, está nas nossas emoções, julgamentos éticos, intuições e na capacidade de construir relações autênticas. Está no riso espontâneo durante uma reunião, no gesto solidário diante da dor do outro, na coragem de assumir vulnerabilidades e na sabedoria de equilibrar razão e sentimento.

Ao invés de temer a inteligência artificial, deveríamos nos perguntar: estamos desenvolvendo plenamente nossa inteligência humana? O futuro exige que deixemos de ver as soft skills como “complementares” e passemos a tratá-las como fundamentais. Elas são nossa vantagem comparativa e nosso diferencial estratégico.

A IA é, sem dúvida, uma revolução. Mas só fará sentido se nos ajudar a ser mais humanos — não menos. Para isso, precisamos cultivar, valorizar e praticar aquilo que nenhuma máquina será capaz de replicar: a complexidade, a beleza e a profundidade das relações humanas. E esse talvez seja o maior desafio da era digital.

Fabio-Szescsik

CONSELHEIR@

Fabio Szescsik

Sou um profissional polivalente, apaixonado por tecnologia e pessoas e que acredita que a segurança digital, produtos e negócios podem caminhar juntos para viabilizar uma solução diferenciada aos clientes internos e externos. Possuo mais de 25 anos de experiência nas áreas de tecnologia e segurança, tendo atuado em diversas empresas de diferentes segmentos de negócio, inclusive em consultorias como EY, PwC e KPMG, alcançando cargo de sócio na última citada. Atualmente sou responsável por segurança, privacidade e operações para o Open Finance Brasil

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