Quando falamos em estratégia de negócio, geralmente pensamos em visão, mercado endereçável e pesquisa. Não é por acaso que existem tantos frameworks populares, como SWOT, Business Model Canvas ou Jobs to be Done, voltados justamente para organizar e incentivar essas discussões estratégicas. Por outro lado, a execução frequentemente fica em segundo plano, vista como consequência da estratégia, e não como parte ativa dela.
Essa separação reflete uma realidade comum na maioria das empresas: estratégia e execução são tratadas como disciplinas diferentes, geralmente conduzidas por equipes distintas. Às vezes, essa separação ocorre naturalmente pelo tamanho das equipes ou pela distância hierárquica, mas frequentemente o motivo é a diferença em especializações, habilidades e ritmos de trabalho. O resultado é uma separação temporal e prática entre quem pensa e quem faz.
Com a popularização das startups, esse modelo tradicional foi desafiado. Startups provaram que era possível inovar mais e mais rápido ao eliminar as barreiras entre visão e execução. Com equipes pequenas e lideranças técnicas e estratégicas atuando lado a lado no dia a dia, elas criaram um dinamismo que empresas maiores simplesmente não conseguiam acompanhar.
Grande parte desse avanço veio com a adoção da agilidade. Quando surgiu, o agile foi uma verdadeira ruptura: transformou visão e execução em partes do mesmo processo, conectadas por ciclos curtos de aprendizado e validação. Mais do que acelerar entregas, o agile trouxe uma nova lógica: usar a execução como forma de testar hipóteses e ajustar o rumo continuamente. Essa mentalidade permitiu que startups ganhassem mercado com velocidade e precisão. A ponto de se tornarem, elas mesmas, as novas gigantes.
Mas, com o tempo, essa abordagem também começou a mostrar seus limites. À medida que as equipes crescem, a execução naturalmente se afasta da estratégia, conforme as lideranças deixam de estar presentes no dia a dia. Para tentar preservar a agilidade original, surgiu o modelo de squads, popularizado pelo Spotify, com a proposta de dar autonomia total a pequenos times. A ideia era manter vivo o espírito das startups em fase inicial, em que visão e execução ainda caminham lado a lado.
Em teoria isso faz sentido, mas em escala traz novos problemas. Com as decisões estratégicas sendo tomadas apenas dentro do contexto de cada squad, a visão unificada se perde, substituída por uma coleção de soluções locais. Cada time resolve bem o seu pedaço, mas o conjunto deixa de fazer sentido. A experiência do usuário se fragmenta, e o valor do produto como um todo se dilui.
Além disso, manter essa estrutura custa caro. Para evitar pontos cegos num modelo totalmente distribuído, é preciso ter squads cobrindo praticamente todos os temas. A estratégia passa a ser “trabalhar em tudo ao mesmo tempo”, o que exige mais equipes e, inevitavelmente, mais lideranças intermediárias.
Muitas empresas reagiram a isso retornando a modelos mais tradicionais e centralizados. Nesse movimento, até o papel dos Product Managers, criado justamente para assumir a liderança estratégica no lugar dos fundadores, passou a ser questionado. Em algumas organizações, esses profissionais perderam relevância com a tentativa de recentralizar a estratégia na liderança sênior, em busca de recuperar coesão e alinhamento.
Porém, voltar completamente ao modelo antigo, que separa estratégia e execução, é desperdiçar os aprendizados mais valiosos do agile. Essa abordagem já provou sua força ao mostrar como a integração entre visão e prática pode acelerar o aprendizado e aumentar as chances de acerto. O que precisamos agora é de uma nova adaptação: um modelo que preserve essa proximidade, mantendo execução e estratégia como partes do mesmo motor de decisão e progresso.
Neste artigo, compartilho algumas das explorações que temos feito para criar um processo que preserve as vantagens do agile, mas evite os problemas que surgem com o tempo. A pergunta central é: como transformar a execução em uma fortaleza estratégica?
Nossa abordagem
Nosso foco está no conceito de “oportunidades técnicas” — situações em que a nossa equipe consegue executar algo com vantagem clara frente ao mercado. Pode ser uma funcionalidade que conseguimos lançar mais rápido, um tipo de experiência que conseguimos construir com mais qualidade, ou uma lógica que conseguimos manter com menor custo. Essas oportunidades surgem da combinação entre domínio técnico e contexto de negócio.
Por exemplo, se já temos uma estrutura robusta para personalização e conseguimos construir recomendações inteligentes com pouco esforço adicional, priorizar um recurso que depende disso vira uma vantagem estratégica. Não é só viável, é vantajoso.
Claro, todos os elementos clássicos de uma boa estratégia ainda são fundamentais: entender se o problema é real, se há disposição para pagar por essa solução e se o mercado é suficientemente grande. Mas, diante de um conjunto validado de oportunidades, damos prioridade àquelas em que temos uma vantagem técnica clara — onde sabemos que podemos entregar melhor que qualquer outro.
Esse conceito não é novo. Ele sempre foi decisivo para o sucesso de empresas em diversos setores: farmacêuticas só entram em um mercado quando dominam a produção do medicamento; empresas de deep tech constroem suas estratégias em torno daquilo que sabem executar com excelência. O que estamos fazendo é aplicar esse mesmo raciocínio a empresas tech-enabled — aquelas que usam tecnologia como meio, não como fim. Nesse tipo de organização, é comum ver a estratégia sendo definida de forma isolada, enquanto os times técnicos ficam apenas com a tarefa de implementar.
Na prática, isso pede trazer lideranças técnicas — engenharia, design e dados — para participar diretamente da definição estratégica. Em vez de apenas avaliar viabilidade depois que o plano já está desenhado, esses líderes ajudam a construir o plano desde o começo, indicando caminhos técnicos viáveis, identificando oportunidades onde temos vantagens competitivas reais, seja em velocidade, qualidade ou experiência do usuário.
A liderança executiva continua responsável pelo direcionamento do negócio, mas de forma mais leve do que no modelo cascata. Em vez de desenhar um plano fechado, ela apresenta um leque de oportunidades estratégicas como candidatas a serem exploradas.
A liderança técnica, por sua vez, ganha um papel mais ativo e passa a participar da concepção estratégica desde o início. Avalia as oportunidades propostas, identifica onde existem vantagens técnicas claras e influencia diretamente a priorização com base em critérios como complexidade, viabilidade e qualidade da execução.
Já os times operacionais não carregam mais o peso de definir decisões estratégicas complexas. Com um direcionamento claro e tecnicamente fundamentado, podem focar na execução com excelência — mantendo a agilidade do agile e a clareza do modelo tradicional.
Para incentivar essa metodologia, estabelecemos uma regra clara: toda ideia precisa vir acompanhada de um esboço de solução técnica (engenharia, dados e design) para ser considerada na priorização. Não precisa ser algo definitivo nem extremamente detalhado, mas deve indicar um caminho possível e concreto. Sem isso, ela não entra no roadmap. Essa exigência aumenta o engajamento entre estratégia e execução desde o início do processo.
Ao antecipar esse debate para a camada estratégica, surgem efeitos colaterais poderosos. A validação técnica continua sendo um espaço de negociação, como nos modelos tradicionais, com ajustes de escopo para garantir viabilidade e velocidade. Mas também acontece o contrário: surgem propostas mais ambiciosas vindas do próprio time técnico, que enxerga atalhos, reaproveitamentos e soluções mais simples para alcançar o mesmo maior impacto. São ideias que dificilmente surgiriam em um plano feito só no papel, por quem não domina os detalhes da implementação.
Como é a execução
Na camada da execução também é preciso fazer ajustes para resgatar os efeitos positivos do agile, como o aprendizado contínuo e a adaptação ao longo do caminho, mas sem herdar os altos custos e os riscos de desalinhamento estratégico do modelo de squads fixos.
Para isso, seguimos dois pilares. O primeiro é a flexibilidade de temas. Novos projetos são atribuídos ao time mais disponível e com maior familiaridade com o assunto, mas isso não é uma limitação. Priorizamos a alocação otimizada, mas o critério principal é sempre a prioridade estratégica. Se temos três squads, eles assumem as três prioridades mais importantes do momento — mesmo que todas sejam do mesmo tema. Isso exige mais transferência de conhecimento, mas garante que a empresa esteja sempre mobilizando energia no que realmente importa. Em geral, apenas as primeiras prioridades estão suficientemente maduras, e obrigar times a trabalhar em temas menos relevantes apenas para manter coerência temática gera desperdício.
O segundo pilar é a execução segmentada. Separamos a execução em dois momentos: baixa e alta fidelidade. Isso nos permite identificar claramente a etapa onde ainda se espera aprendizado, ajustes e envolvimento ativo das lideranças técnicas e executivas. Essa separação ajuda a proteger o espaço de experimentação, mantendo o foco e garantindo que decisões importantes continuem sendo tomadas com base no que é descoberto durante a execução.
Baixa Fidelidade:
A fase de baixa fidelidade é onde definimos a lógica essencial do produto. Nessa etapa, mapeamos fluxos, regras de negócio, inputs e outputs, determinando como as informações circularão pelo sistema. Usamos ferramentas simples, como wireframes básicos, fluxogramas e esquemas funcionais que destacam claramente o funcionamento desejado.
Essa abordagem favorece decisões mais rápidas, objetivas e técnicas. Não debatemos aspectos visuais detalhados, como cores ou estilos gráficos; o foco está exclusivamente na existência e função dos elementos. Os textos ainda são provisórios, expressando apenas a intenção por trás dos componentes e evitando que discussões secundárias desviem a atenção da funcionalidade principal.
Embora a separação em etapas seja comum no design, aqui ela se estende até a engenharia. O protótipo em baixa fidelidade é construído e transformado em um produto funcional, colocado em testes reais, seja em staging ou com usuários internos. Isso permite descobertas concretas e aprendizados que influenciam diretamente a versão final.
Essa abordagem reduz drasticamente o retrabalho e o risco de investir energia no caminho errado. Ajustes de escopo, simplificações ou exclusões de funcionalidades são feitos ainda nesse estágio conceitual. E, com a engenharia envolvida desde o início, antecipamos gargalos técnicos, dependências e restrições, ajustando o projeto antes que avance demais.
Outro benefício significativo é o surgimento de novas ideias. Durante a implementação e os testes práticos, surgem oportunidades técnicas inesperadas ou insights importantes gerados pela experiência direta com o produto. Algo que só acontece com regras de negócio e dados reais.
Essa fase funciona como uma zona protegida de experimentação. É aqui que ainda se espera aprender, ajustar o rumo e contar com a participação ativa das lideranças técnicas e executivas. Só depois de implementada, testada e validada pela equipe, essa versão segue para a etapa de alta fidelidade.
Alta Fidelidade:
A etapa de alta fidelidade começa apenas depois que a lógica essencial do produto já foi construída, testada e validada. O foco agora não é reinventar, mas sim refinar: garantir que a experiência final seja clara, agradável e coerente com o que já foi aprovado na prática. É quando design e engenharia trabalham juntos para construir os layouts finais, textos definitivos, microinterações, mensagens de erro, estados de carregamento e todos os detalhes que moldam a experiência visual e sensorial do produto.
Como os fluxos já estão definidos, essa etapa flui com agilidade. O time pode se concentrar exclusivamente em usabilidade e acabamento, sem precisar rediscutir lógica ou funcionalidades. Tudo que poderia ser revisto já foi revisto. Toda a energia agora é dedicada a lapidar o que já funciona.
Também evitamos retrabalho visual. Como a etapa anterior já validou a lógica com testes reais, temos confiança de que o investimento em detalhes visuais será aproveitado. Isso torna o processo mais rápido, mais eficiente e, no fim, mais certeiro.
Conclusão
Esse modelo ainda está evoluindo, mas já mostrou impacto. Evitamos projetos mal priorizados, aumentamos o entendimento técnico na liderança e reduzimos a pressão indevida sobre os times de execução. A lógica ficou mais clara para todos — e isso se traduz em decisões melhores, mais rápidas e mais conectadas com a realidade.
A principal mudança, no entanto, não foi de processo, e sim de perspectiva. Paramos de tratar a execução como um “depois” da estratégia, e passamos a enxergá-la como um lugar legítimo de decisão.
Quando a execução vira uma vantagem competitiva — algo que influencia o que construir, e não apenas como construir — ela deixa de ser tática e passa a ser estratégica. Foi isso que buscamos fazer aqui. E é isso que pode destravar um novo ciclo de inovação para muitas empresas.