A transformação digital deixou de ser uma tendência para se consolidar como uma exigência para a sobrevivência no mercado. Com a digitalização acelerada por eventos como a pandemia de Covid-19, empresas de todos os portes foram forçadas a rever seus processos, canais de atendimento, estratégias de marketing e, principalmente, sua cultura interna. O que antes era um diferencial competitivo, hoje é uma condição básica de existência.
De acordo com “IDC Spending Guide” de 2024, os gastos mundiais com transformação digital alcançarão quase US$ 4 trilhões até 2027, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 16,2% no período de 2022 a 2027. O guia também destaca que os setores de serviços financeiros e manufatura discreta lideram esses investimentos. Esse movimento impacta diretamente a forma como as empresas operam, contratam e se relacionam com os clientes.
Setores como varejo, saúde e finanças foram profundamente impactados por essa transição. O Magazine Luiza, por exemplo, deixou de ser apenas uma rede varejista para se tornar uma plataforma digital robusta, com serviços de logística, marketplace e fintech. A digitalização não está apenas no front-end, mas principalmente na infraestrutura e nos dados que sustentam as decisões estratégicas.
As pequenas e médias empresas também entraram no jogo. Ferramentas SaaS e plataformas de e-commerce democratizaram o acesso à tecnologia. De acordo com o “Mapa de Maturidade Digital 2024”, conduzido pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e pelo Sebrae, o Índice Médio de Maturidade Digital (IMD) das micro e pequenas empresas brasileiras é de 35 pontos, em uma escala de 0 a 80. Além disso, o estudo revelou que cerca de 50% dos pequenos negócios utilizam mídias digitais para vender produtos ou serviços. Em outra iniciativa, o governo federal anunciou, em setembro de 2024, a terceira fase do programa “Brasil Mais Produtivo”, que visa digitalizar 200 mil pequenos negócios industriais até 2027, com um investimento de mais de R$ 2 bilhões. Esses dados indicam um movimento contínuo de digitalização entre as PMEs brasileiras, embora ainda haja espaço significativo para avanços na maturidade digital dessas empresas.
Mas essa corrida por inovação trouxe um novo dilema: a segurança da informação. O aumento do volume de dados trafegando digitalmente tornou os sistemas mais vulneráveis a ataques cibernéticos. O Panorama de Ameaças para a América Latina 2024 apontou que o Brasil sofreu mais de 700 milhões de ataques cibernéticos em um período de 12 meses, totalizando 1.379 ataques por minuto.
Com o crescimento da transformação digital, o conceito de “security by design” passou a ser uma premissa nas arquiteturas modernas. Empresas começaram a adotar políticas de segurança desde a concepção dos produtos, e não mais como uma camada adicional. Além disso, a LGPD trouxe mais rigor às práticas de governança de dados, forçando as companhias a reverem seus fluxos internos.
A adoção da autenticação multifator, criptografia de ponta a ponta e monitoramento contínuo são hoje medidas mínimas para qualquer operação digital segura. No entanto, as ameaças também evoluíram. Técnicas de engenharia social, phishing personalizado e ransomware sofisticado têm desafiado até mesmo os sistemas mais robustos.
Nesse cenário, a inteligência artificial começa a se destacar como ferramenta de defesa. Soluções baseadas em IA já são utilizadas para análise comportamental de usuários, detecção de anomalias em tempo real e resposta automatizada a incidentes.
Contudo, como toda nova tecnologia tanto pode ser usada de modo positivo ou negativo, a IA também representa um novo vetor de risco. Modelos generativos podem ser utilizados para automatizar fraudes, criar deepfakes e escrever códigos maliciosos. O desafio não está apenas em implementar inteligência artificial, mas em controlar como ela é treinada, validada e monitorada ao longo do tempo. No livro “Vida 3.0”, Tegmark destaca a importância da pesquisa na área de segurança da IA.
Ao mesmo tempo, esses modelos estão revolucionando as possibilidades no ambiente digital. A IA generativa, exemplificada por ferramentas como ChatGPT, Midjourney e Copilot, tem transformado setores como atendimento ao cliente, produção de conteúdo, programação e design. O tempo de entrega das tarefas caiu, e a personalização alcançou novos patamares.
Segundo a McKinsey, a IA generativa tem potencial de injetar entre US$ 2,6 trilhões e US$ 4,4 trilhões anualmente na economia global. No Brasil, grandes bancos e seguradoras já estão testando soluções que combinam machine learning com RPA para automatizar processos inteiros de onboarding e análise de risco.
Esses avanços também têm impulsionado o conceito de “plataformas cognitivas”, em que sistemas são capazes de interpretar comandos humanos, aprender com interações e tomar decisões com base em dados históricos e contextuais. Isso muda não apenas o nível operacional, mas o próprio papel dos profissionais e gestores.
Entretanto, surge o dilema da confiança. Como garantir que uma IA está tomando decisões justas, éticas e livres de vieses? Casos emblemáticos, como algoritmos de recrutamento que discriminavam candidatos ou IA que reforçavam estereótipos raciais, acenderam alerta. Por isso, a governança da IA tornou-se pauta obrigatória para concelhos e áreas jurídicas. O que antes habitava o campo da ficção científica — como nos contos de Isaac Asimov em Eu, Robô, onde as Três Leis da Robótica tentavam conter dilemas éticos — hoje exige regras reais, transparentes e eficazes. A fronteira entre ficção e realidade se dissolveu, e o debate sobre responsabilidade algorítmica já não pode mais esperar.
Em 2024, a União Europeia aprovou o AI Act, a primeira legislação ampla sobre uso ético de inteligência artificial. O Brasil também avançou nesse debate, com o Projeto de Lei 2338/2023. Esses marcos regulatórios indicam uma nova era: não basta adotar IA, é preciso fazê-lo de forma responsável.
Empresas estão sendo cobradas por transparência algorítmica. A explicabilidade dos modelos – ou seja, a capacidade de entender como e por que uma IA tomou determinada decisão – passou a ser critério decisivo em setores regulados. A IA precisa ser auditável, previsível e justa. E isso exige equipes multidisciplinares, que combinem tecnologia, direito e comportamento humano. O grande desafio é que, enquanto buscamos mais explicabilidade, os próprios modelos estão se tornando cada vez mais opacos. Algoritmos como árvores de decisão e regressões lineares davam espaço à interpretação. Mas com o avanço de técnicas como random forests, redes neurais profundas e, mais recentemente, os grandes modelos de linguagem, entramos em uma era de “caixas-pretas” cada vez mais complexas. Paradoxalmente, quanto mais poderosa a IA, mais difícil se torna explicar seu funcionamento — justamente quando mais precisamos compreendê-la.
A fronteira entre humano e máquina está cada vez mais sutil. Hoje, sistemas baseados em IA participam da tomada de decisões clínicas, análises financeiras e estratégias de marketing. Isso não significa que substituirão profissionais, mas que exigirão novas habilidades, como pensamento crítico, ética digital e colaboração com algoritmos.
Nesse novo ciclo, o diferencial competitivo será a capacidade de integrar transformação digital, segurança da informação e IA de maneira coordenada, estratégica e sustentável. Não se trata apenas de adotar ferramentas, mas de redesenhar estruturas, treinar equipes e alinhar objetivos de negócio com responsabilidade tecnológica. Em um mundo onde a tecnologia coloca “tudo em todo o lugar ao mesmo tempo” essas disciplinas não podem mais ser tratadas como silos. Elas se entrelaçam, se influenciam e, quando bem orquestradas, criam possibilidades antes impensáveis.
O impacto desse movimento é profundo. Mercados se reconfiguram, profissões são reinventadas e modelos de negócio se tornam mais adaptativos. Aquelas empresas que souberem equilibrar inovação e controle, agilidade e responsabilidade, estarão mais preparadas para navegar a complexidade do futuro digital.