Hoje, falar de Inteligência Artificial virou quase um requisito social no mundo dos negócios. Quem não menciona LLMs, GPUs, agentes autônomos ou “GenAI” numa reunião de liderança, parece desconectado. As manchetes estão por toda parte: bilhões em investimentos, modelos que prometem substituir profissões, empresas que alegam ter reinventado suas operações com algoritmos milagrosos. O barulho é grande. Mas quando o som baixa e olhamos para o que de fato está sendo implementado no Brasil, a realidade é menos brilhante: ainda são poucos os casos em que a IA ultrapassou o power point e virou execução concreta com impacto prático.
O Brasil ocupa a 31ª posição no último Global AI Index da Tortoise Media. Enquanto isso, Estados Unidos, China, Reino Unido, Índia e Emirados Árabes Unidos lideram a corrida com estratégias bem definidas, investimentos pesados e aplicação em escala. Nos EUA, a Mastercard usa IA para processar mais de 150 bilhões de transações ao ano com eficiência antifraude aumentada em 300%. Na China, hospitais utilizam sistemas como o DeepSeek para diagnósticos clínicos em tempo real. No Reino Unido, a IA personaliza o ensino em universidades como Cambridge. Na Índia, modelos de linguagem nativos já ajudam agricultores com orientações em tempo real. E os Emirados estão construindo infraestruturas massivas para dados e IA generativa estatal.
Enquanto isso, o Brasil avança, mas em um ritmo desigual. Os bancos líderes aumentaram em 61% seus investimentos em IA, enquanto o mercado como um todo ainda engatinha. O agronegócio tem bons casos, e healthtechs e fintechs lideram experimentos, mas poucas iniciativas cruzaram o abismo entre piloto e escala. Mesmo com o plano nacional de IA (2024–2028) e os R$ 23 bilhões em previsão de investimento, a realidade é que apenas 31% dos profissionais têm acesso a formação em IA no ambiente de trabalho. Em contraste, 68% dizem usar IA em suas rotinas sem nenhuma diretriz formal ou modelo de uso.
Há também bons exemplos pontuais que merecem destaque. Startups como a FootBao usam IA para mapear talentos esportivos em regiões remotas do Brasil. Healthtechs como a Laura e fintechs como a Creditas aplicam IA para triagem de atendimento e análise de risco. Porém, mesmo essas inovações ainda enfrentam barreiras para escalar. Isso mostra que o Brasil tem capacidade, mas carece de coordenação estratégica.
E aqui está o real risco: a preocupação generalizada não deveria ser a substituição de empregos pela IA. Deveria ser a substituição dos CEOs e CIOs que seguirem tratando a IA como uma “inovação futura” e não como um fator crítico de produtividade presente.
Segundo Kai-Fu Lee, um dos pensadores mais influentes do mundo em IA, os próximos dois anos marcarão uma mudança estrutural na economia mundial. Até 2027, cerca de 50% dos empregos baseados em tarefas repetitivas podem ser automatizados por IA. Não se trata de um risco. É uma rota em andamento. E nesse caminho, a China aposta em auto suficiência e aplicação em escala; os EUA transformam IA em novo motor econômico; a Índia democratiza o acesso por meio de soluções localizadas. E o Brasil?
O Brasil observa, testa, mas precisa agir. Temos talento, temos demanda e temos infraestrutura crescendo, com iniciativas como a parceria entre o Google Cloud e o Governo de São Paulo para impulsionar o uso de IA em educação, saúde e gestão de dados, e globalmente, com a implantação do Med-PaLM 2 pelo Google em hospitais nos Estados Unidos e na Índia, utilizando IA para apoiar decisões clínicas e reduzir sobrecarga em sistemas de saúde. O que falta é execução e mentalidade. Falta menos “hype” e mais accountability. A IA já é usada para prevenir falhas em serviços críticos, automatizar decisões, personalizar atendimento e prever crises operacionais. É uma tecnologia de produtividade, não uma expectativa mal calibrada de futuristas.
O impacto da IA no Brasil também pode ser decisivo na economia. Estudos da McKinsey indicam que, se usada de forma estratégica, a IA pode adicionar até 4,2% ao PIB brasileiro até o fim da década. Isso representa não apenas ganhos de eficiência, mas a criação de novos mercados e a elevação da competitividade global do país.
Se queremos estar entre os protagonistas desse novo ciclo tecnológico, precisamos de ação coordenada. E isso começa no topo. Como fundador e executivo, compartilho alguns caminhos práticos para que as lideranças deixem de alimentar o hype e passem a executar com intencionalidade:
1. Escolha um problema real de negócio – IA não é sobre tecnologia, é sobre resolver gargalos. Comece aplicando IA onde há dor clara: atraso em atendimento, retrabalho, perdas operacionais, ou baixa eficiência de processos.
2. Construa um comitê de execução com autonomia – Tire a discussão de IA do circuito de inovação e coloque sob governança executiva. Delegue a missão para líderes que tenham poder de decisão e entregas claras de ROI.
3. Implemente rápido, mas pequeno – Faça um MVP funcional com escopo definido, dados disponíveis e um resultado mensurável. IA não começa com transformação digital, começa com um bom uso de informação e uma aplicação simples.
4. Integre IA à rotina das áreas de negócio – Faça com que a IA atue como copiloto, não como projeto paralelo. Isso significa criar alertas preditivos, dashboards com insights automatizados e fluxos de trabalho que aprendem com os dados.
5. Crie métricas que importam para o board – Abandone as métricas de vaidade. O que conta para a alta gestão é: redução de custo, ganho de eficiência, aumento de NPS ou crescimento de receita. A IA precisa mostrar valor onde a empresa mede valor.
6. Eduque o top management – Um board que não entende IA não investe nela de forma sustentável. Crie trilhas executivas, promova discussões estratégicas, traga especialistas. O gap não é técnico, é de visão.
Executar com IA não exige se tornar um Google ou OpenAI. Exige clareza, foco e disposição para romper com a paralisia institucional que domina tantas organizações brasileiras. A IA não é um futuro a ser temido. É uma alavanca a ser ativada agora. É urgente investir em formação de talentos, acelerar regulamentações equilibradas, fomentar a pesquisa aplicada e transformar pilotos em soluções escaláveis.
Quem continuar tratando IA como modismo, ficará para trás. E não serão os cargos operacionais os primeiros a desaparecer. Serão as lideranças que não conseguirem adaptar sua visão à nova lógica digital — aquelas que tratam IA como promessa distante, quando ela já é parte do cotidiano produtivo das empresas mais eficientes.