O cenário para líderes de produto e tecnologia nunca foi tão desafiador e ao mesmo tempo tão promissor. Em 2025, a Enterprise Architecture (EA) deixou definitivamente de ser uma disciplina de suporte, focada em padrões e governança, para se posicionar como um ativo estratégico que conecta decisões de curto prazo à visão de longo prazo da organização.
Como líder de produto com forte atuação em tecnologia e arquitetura, acredito que o movimento que a Gartner chama de “Leadership Vision for 2025” precisa estar no centro da nossa atuação. Este relatório destaca tendências fundamentais e reforça o papel da arquitetura corporativa na geração de valor para o negócio.
Neste artigo, compartilho minha visão sobre como líderes de produto e tecnologia precisam urgentemente integrar a disciplina de EA como um motor estratégico para seus produtos e empresas.
As forças macro que moldam o papel da arquitetura corporativa
Segundo a Gartner, três grandes forças estão moldando a relevância dos programas de EA:
- Incerteza econômica: Mesmo com cortes de juros, a inflação persistente, baixa produtividade e riscos de recessão impactam decisões de investimento. Tudo isso segue valendo para o cenário Brasil, com inseguranças adicionais.
- Tensões geopolíticas: Cadeias de suprimento fragilizadas e mudanças regulatórias constantes exigem uma arquitetura ágil e resiliente.
- Adoção de IA com benefícios diluídos no curto prazo: Apesar do hype, a integração da IA nos processos organizacionais é complexa, cara e com benefícios ainda pouco capturados.
Enquanto líderes de produto, somos frequentemente pressionados a entregar resultados rápidos, mas precisamos entender que essas forças exigem arquiteturas capazes de sustentar transformações profundas e contínuas. Não se trata apenas de acelerar o go-to-market, mas de construir sistemas e modelos operacionais antifrágeis.
O imperativo estratégico: EA como conector entre visão e execução
A Gartner é categórica: o sucesso da EA em 2025 depende da capacidade de oferecer serviços que entreguem valor ao negócio, de forma contínua e adaptativa.
Esse é um ponto central na minha atuação: não pode existir um silo entre arquitetura e produto. A arquitetura precisa ser um catalisador para que as iniciativas de produto gerem valor sustentável. Não se trata mais de perguntar “se a arquitetura suporta o produto”, mas sim “como a arquitetura orienta e acelera a entrega de valor”.
Cinco prioridades para quem quer liderar com profundidade em Enterprise Architecture
A partir da análise da Gartner e da minha vivência prática, destaco cinco prioridades que considero indispensáveis para quem quer atuar, hoje, como líder de produto com profundidade em arquitetura:
1. Redesenhar o modelo operacional da arquitetura
Com organizações com níveis cada vez maiores de especialização nas áreas de tecnologia, a arquitetura corporativa precisa se adaptar, atuando como uma plataforma de serviços para diferentes domínios de negócio.
A Gartner propõe um modelo em três camadas:
- Plataforma de serviços centrais: ERP, CRM, infraestrutura.
- Arquitetura global: conecta os domínios locais, garantindo boas práticas, integração e coerência.
- Arquitetura local: oferece suporte técnico e metodológico para equipes ágeis e squads de produto.
Minha experiência reforça que esse modelo é imprescindível em ambientes complexos, onde múltiplas squads operam de forma autônoma, mas precisam compartilhar uma visão coesa de tecnologia e negócio.
2. Modernizar o portfólio tecnológico: reduzir dívidas e ampliar capacidade de resposta
O relatório da Gartner propõe um processo claro de cinco passos para modernização tecnológica:
- Avaliação: entender a arquitetura legada, mapear dívidas técnicas.Tudo, no final, precisa começar com um diagnóstico,antes de sair executando.
- Definição: desenhar a arquitetura de futuro alinhada ao modelo de negócio.Aqui, é importante possuir clareza e declaração dos objetivos do negócio, antes de entrar no como.
- Preparação: criar plano de investimentos e gestão da mudança. É fundamental essa etapa de planejamento.
- Execução: priorizar migrações que tragam ganhos rápidos e tangíveis.O segredo da confiabilidade é executar com prazo, qualidade e previsibilidade.
- Aprendizado: estabelecer ciclos de feedback e melhoria contínua. Vale reforçar que registrar e documentar aprendizados é parte da formação de cultura de qalidade.
Acredito que líderes de produto precisam participar ativamente dessas discussões. Muitas vezes, decisões de modernização são vistas como “assunto da TI”, mas, na prática, impactam diretamente a competitividade dos produtos.
Se não nos enxergarmos e liderarmos a transformação no ombro a ombro com a TI, como poderemos estabelecer o senso de responsabilidade e ownership pelos resultados?
3. Desenvolver competências financeiras e de IA
Ainda assim, há dois gaps críticos, segundo a Gartner:
- Capacidade de modelagem financeira: para justificar investimentos, avaliar trade-offs e sustentar business cases sólidos.
- Competências em IA: para apoiar decisões sobre quais soluções podem, de fato, gerar valor e quais são apenas tendências passageiras.
Na minha trajetória, evoluir nessas duas competências é e será cada vez mais fundamental para ampliar minha influência e credibilidade junto a stakeholders de negócio. Produto e arquitetura devem dominar tanto o “como” (tecnologia) quanto o “por que” (viabilidade econômica e impacto).
4. Comunicar o valor da arquitetura continuamente
Uma das grandes falhas dos programas de EA é não atualizar sua proposta de valor conforme a organização evolui.
A Gartner sugere um ciclo contínuo:
- Entender objetivos de negócio.
- Desenhar serviços de arquitetura alinhados a esses objetivos.
- Ajustar a entrega conforme o feedback dos stakeholders.
Essa visão é extremamente alinhada e complementar com a prática de produto. Tal como iteramos features, precisamos iterar também o valor e a atuação da arquitetura. O impacto da arquitetura não está apenas nos diagramas e modelos, mas no quanto ela acelera, simplifica e viabiliza as ambições estratégicas do negócio.
5. Assumir a liderança na transformação organizacional
Por fim, a Gartner reforça que cabe aos heads de EA — e, eu complemento, também aos heads de Produto — liderar a transformação da empresa, ajudando o C-level a tomar melhores decisões sobre investimentos em tecnologia e modernização.
Não podemos esperar que as áreas de negócio “descubram” a importância da arquitetura; precisamos ser protagonistas nesse processo, traduzindo complexidade técnica em clareza estratégica.
Enterprise Architecture: de bastidor para palco principal
Se, no passado, a arquitetura corporativa era vista como uma função de bastidor, hoje ela é parte integrante do palco principal das decisões estratégicas.
Como líder de produto, tenho reforçado o papel da EA como:
- Fundamento para escalar produtos de forma sustentável.
- Ferramenta para mitigar riscos em ambientes incertos.
- Base para capturar valor de iniciativas digitais e de IA.
A integração entre arquitetura e produto não é uma escolha; é uma necessidade para organizações que querem prosperar num cenário cada vez mais competitivo, complexo e incerto.
Conclusão: o papel do líder de produto na EA
Acredito que o líder de produto do futuro (na verdade, já do presente) precisa ir além da visão tradicional de “feature delivery” e incorporar a arquitetura como uma disciplina essencial do seu toolkit estratégico.
Não se trata de dominar todas as técnicas de modelagem, mas de compreender profundamente como as decisões arquiteturais moldam as possibilidades (ou limitações) dos produtos.
E, sobretudo, de assumir a responsabilidade de garantir que a arquitetura corporativa esteja sempre a serviço da visão de longo prazo do negócio.Fontes:
Gartner, Leadership Vision for Enterprise Architecture 2025
https://www.gartner.com/en/information-technology/role/enterprise-architecture-technology-leaders