A emergência da Inteligência Artificial Generativa (GenAI) representa uma inflexão comparável à revolução do computador pessoal ou da internet. De uma tecnologia experimental, restrita a especialistas, a GenAI se transformou rapidamente em uma capability estratégica e transversal, remodelando modelos de negócio, cadeias de valor e fluxos de trabalho.
Como líder de produto com profundidade e atuação em arquitetura corporativa, acredito que o movimento que o relatório The Great Acceleration: CIO Perspectives on Generative AI (MIT Technology Review Insights, patrocinado pela Databricks) aponta não é apenas uma tendência, mas um imperativo para todas as lideranças que atuam na intersecção entre produto, tecnologia e estratégia.
Neste artigo, compartilho minha visão sobre como líderes devem se posicionar frente a esse cenário, extraindo do relatório e da minha experiência as chaves para conectar GenAI a uma visão arquitetural de longo prazo.
GenAI: A democratização da inteligência artificial e a virada para o enterprise-wide AI
Historicamente, a adoção de IA nas organizações foi fragmentada, restrita a funções específicas como TI e finanças. Segundo o relatório, em 2022, apenas 14% das empresas aspiravam à adoção “enterprise-wide”, ou seja, com IA como parte crítica de pelo menos cinco funções centrais.
Com a ascensão da GenAI, esse panorama mudou radicalmente. A possibilidade de gerar linguagem natural, imagens, código e insights a partir de dados não estruturados liberou um potencial antes inacessível. Pela primeira vez, segundo o relatório, há “demand pull” — ou seja, as áreas de negócio passam a puxar iniciativas de IA, e não mais apenas respondem a um “push” das áreas técnicas.
Esse movimento desloca a responsabilidade para nós, líderes de produto e engenharia: precisamos antecipar, coordenar e garantir que essa adoção ocorra de forma segura, escalável e alinhada aos objetivos estratégicos da organização.
Dados legíveis, valor desbloqueado: a urgência por uma arquitetura moderna e flexível
A GenAI só é possível mediante uma infraestrutura de dados flexível, escalável e eficiente. O relatório é claro: organizações líderes estão investindo em data lakehouses, combinando a governança de data warehouses com a flexibilidade de data lakes.
Na minha experiência em grandes corporações em transformação digital, esse é um pilar essencial para evitar que a adoção de GenAI se transforme em uma “ilha de excelência”, desconectada do core business. Arquiteturas legadas, fragmentadas por anos de fusões e aquisições ou acúmulo técnico, são o maior impeditivo para democratizar o acesso aos dados e permitir que modelos generativos entreguem valor.
A arquitetura corporativa passa, assim, a ter um papel diretamente estratégico: desenhar e operacionalizar um ecossistema de dados e serviços que viabilize a experimentação contínua com GenAI, mantendo segurança, compliance e eficiência.
Buy, build, open ou closed? O novo dilema da arquitetura de modelos
Outro tema central do relatório, que vejo com frequência nas discussões estratégicas, é a decisão sobre como adotar GenAI: consumir modelos proprietários, desenvolver modelos internos ou apostar em open source.
Empresas como DuPont e Shell, citadas no relatório, optam por desenvolver modelos próprios, para proteger propriedade intelectual e reduzir a dependência de plataformas externas. Por outro lado, iniciativas como Dolly, da Databricks, mostram que é possível desenvolver modelos abertos e eficientes com um investimento relativamente baixo, democratizando o acesso a capacidades de GenAI.
Aqui, o papel da arquitetura corporativa é estabelecer critérios claros para essa decisão, equilibrando fatores como:
- Risco competitivo: até que ponto compartilhar dados com plataformas externas ameaça diferenciais estratégicos?
- Eficiência e custo: qual o custo total de propriedade ao construir versus consumir?
- Governança e compliance: como garantir que o uso de GenAI respeite normas internas e regulamentações?
Para líderes de produto, essa análise deve estar na base do processo de decisão sobre como incorporar GenAI em produtos e serviços. É preciso intencionalidade e estratégia para tomar essas decisões.
A ansiedade da automação: risco ou oportunidade?
Estudos citados no relatório, como os da McKinsey e da Accenture, apontam que até 40% das horas de trabalho podem ser automatizadas por GenAI em diversos setores. Entretanto, os CIOs entrevistados adotam uma visão mais otimista: GenAI funcionará mais como copiloto do que como substituto, liberando profissionais para atividades de maior valor.
Concordo com essa visão. Como líder de produto, vejo que o real impacto de GenAI será:
- Aumentar a produtividade: tarefas repetitivas e de baixo valor poderão ser automatizadas.
- Ampliar a criatividade: áreas como design, produto e conteúdo já utilizam ferramentas como Lovable para expandir suas possibilidades criativas.
- Democratizar competências: habilidades técnicas antes restritas a especialistas passam a ser acessíveis a qualquer colaborador, via interfaces naturais.
Esse cenário exige que as lideranças apoiem iniciativas de capacitação e transformação cultural, promovendo confiança no uso de GenAI e evitando o medo generalizado de obsolescência.
O papel da arquitetura na mitigação de riscos e na governança da GenAI
Com grande poder, vêm grandes responsabilidades. GenAI expande exponencialmente os desafios clássicos de governança de dados, como privacidade, segurança e confiabilidade.
O relatório destaca que modelos generativos absorvem e reproduzem qualquer dado, sem distinguir entre verdadeiro e falso. Isso impõe riscos de:
- Vazamento de IP: proteger propriedade intelectual torna-se crítico, sobretudo quando modelos são treinados com dados internos.
- Bias e discriminação: modelos podem replicar vieses presentes nos dados de treinamento.
Por isso, a arquitetura corporativa deve evoluir, adotando práticas como:
- Model cards e registries: para documentar e monitorar modelos.
- Auditoria algorítmica: para garantir aderência a princípios éticos e regulatórios.
O que antes era uma preocupação “técnica”, hoje é uma agenda central de risco corporativo e precisa ser tratada como tal.
GenAI e a aceleração da descentralização: o papel do produto e da arquitetura
Um dos aspectos mais fascinantes deste movimento é como ele acelera a descentralização da inovação. O relatório indica que GenAI cria um “pull” de inovação por parte das áreas de negócio, que passam a desenvolver suas próprias soluções, muitas vezes sem mediação da TI.
Para líderes de produto, isso representa um convite, mas também, sim, é um alerta. Por um lado, é uma oportunidade para empoderar equipes e estimular a autonomia. Por outro, sem uma arquitetura coesa, esse movimento pode gerar fragmentação, redundância e riscos.
Acredito que nosso papel como líderes de produto e arquitetura é estabelecer:
- Padrões e frameworks comuns, que garantam coerência e interoperabilidade.
- Plataformas internas de GenAI, que democratizem o acesso, mas dentro de guardrails definidos.
- Modelos federados de governança, alinhados às necessidades de cada domínio de negócio, mas sob uma visão arquitetural unificada.
Em direção a uma estratégia de GenAI integrada à visão corporativa
O relatório conclui com uma mensagem clara: a GenAI não é apenas uma tendência tecnológica; ela é um vetor estrutural que definirá as organizações do futuro.
Para que essa transformação seja bem-sucedida, líderes devem:
- Adotar uma visão estratégica de longo prazo, integrando GenAI aos objetivos e à arquitetura corporativa.
- Investir em capacitação e cultura, preparando equipes para atuar lado a lado com sistemas generativos.
- Fortalecer práticas de governança e segurança, garantindo que a inovação ocorra de forma ética e sustentável.
- Reconfigurar a arquitetura tecnológica, adotando modelos como o data lakehouse e explorando modelos abertos e personalizados.
Conclusão: GenAI como pilar estratégico e não apenas funcional
Como defendo em minha atuação, não existe hoje mais silos entre produto, arquitetura e estratégia. A GenAI torna isso ainda mais evidente.
A liderança que se destaca nesse novo contexto é aquela que consegue traduzir potenciais tecnológicos em capacidades organizacionais sustentáveis, alinhando experimentação com rigor arquitetural e visão estratégica.
GenAI não é uma funcionalidade; é um pilar estratégico. E cabe a nós, líderes de produto e arquitetura, garantir que ele seja construído com propósito, responsabilidade e ambição.Fonte:
The Great Acceleration: CIO Perspectives on Generative AI, MIT Technology Review Insights, 2023.
https://www.databricks.com/resources/ebook/mit-cio-generative-ai-report