Sua empresa realmente sabe com quem está compartilhando seus dados na IA?

‎Por Roberto Toscani

A explosão no uso de inteligências artificiais públicas, como os grandes modelos de linguagem generativa, trouxe um avanço significativo em produtividade, inovação e velocidade de entrega. No entanto, com esses benefícios, surgem riscos que muitas organizações ainda não estão conseguindo mensurar com a devida profundidade. A facilidade de acesso, a aparência inofensiva de interfaces amigáveis e a falsa percepção de privacidade vêm criando um cenário perigoso, onde dados corporativos sensíveis estão sendo expostos sem o devido controle ou governança. A questão não é se a IA pública é útil ela é. A questão é como as empresas estão usando essa tecnologia e com que nível de consciência.

Em um ambiente empresarial cada vez mais orientado por dados, o uso irresponsável de IA pública pode significar não apenas perda de vantagem competitiva, mas também riscos legais, vazamentos de propriedade intelectual e até quebra de compliance. Muitos colaboradores, por desconhecimento, acabam alimentando sistema públicos com informações confidenciais sobre estratégias de mercado, códigos-fonte, planos de produtos e dados de clientes. Quando esses dados entram em modelos geradores públicos, ainda que de forma anônima, não há garantia de que não serão reaproveitados ou reprocessados em respostas futuras a outros usuários.

A governança em IA, portanto, se torna uma prioridade inadiável para qualquer organização que deseje usufruir das vantagens da tecnologia sem comprometer sua integridade. Não basta proibir o uso de ferramentas públicas ou fechar os acessos. É preciso construir uma política clara de uso consciente, com diretrizes objetivas, formação dos colaboradores e mecanismos de controle e auditoria. O desafio está em equilibrar a inovação com a segurança, a liberdade criativa com a responsabilidade corporativa.

Um erro comum é tratar a IA pública como se fosse uma simples ferramenta de apoio ao trabalho, como um editor de texto ou uma planilha. Essa visão ignora a complexidade dos sistemas de IA generativa, treinados com grandes volumes de dados e cuja lógica de aprendizado contínuo pode, inadvertidamente, captar informações sensíveis compartilhadas pelos usuários. Embora as empresas que oferecem essas tecnologias afirmam que não reutilizam os dados de forma direta, os termos de uso nem sempre são claros, e o risco é real.

Mais do que uma questão técnica, o uso consciente da IA pública envolve uma mudança cultural nas empresas. Trata-se de desenvolver uma mentalidade de proteção ativa dos ativos informacionais, compreendendo que dados são patrimônios estratégicos. Isso exige o engajamento da liderança, a inclusão do tema nas agendas de compliance, segurança da informação e RH, e o envolvimento contínuo dos times de tecnologia e jurídico para garantir que o uso da IA seja compatível com as normas internas e a legislação vigente.

A legislação, aliás, caminha para um cenário mais rigoroso. O AI Act, aprovado pela União Europeia, e a crescente movimentação no Brasil em torno de uma regulação da IA indicam que o uso da inteligência artificial pública com dados corporativos será, em breve, objeto de normatização mais estrita. As empresas que se anteciparem a esse movimento, criando políticas de governança bem definidas, estarão em vantagem competitiva e reputacional.

Outro ponto de atenção é a rastreabilidade. Ao contrário de sistemas internos ou desenvolvidos sob demanda, muitas ferramentas de IA pública não permitem auditoria sobre o uso dos dados fornecidos. Isso significa que, uma vez compartilhado o conteúdo, não há como garantir onde ele foi parar ou como foi armazenado. Essa falta de visibilidade cria uma zona cinzenta que compromete não apenas a segurança, mas a própria accountability da empresa perante seus stakeholders.

Por isso, cresce o movimento por soluções de IA privadas, ou seja, ambientes controlados, com modelos treinados sob governança corporativa, integrados aos sistemas internos e sujeitos a políticas rígidas de controle. Essas soluções permitem o uso dos benefícios da IA generativa sem os riscos associados ao compartilhamento externo. Para empresas que lidam com dados estratégicos, essa pode ser a única via segura.

Não se trata de prescindir do uso da IA generativa, mas de adotar uma abordagem madura e estratégica. Em vez de permitir que cada colaborador explore essas tecnologias por conta própria, as empresas precisam estruturar ambientes seguros de experimentação, definir quem pode usar, para quê e com quais limites. O uso corporativo da IA deve seguir o mesmo rigor que se espera de qualquer ferramenta estratégica.

A educação também é parte essencial dessa transformação. Campanhas de conscientização, treinamentos contínuos e simulações práticas ajudam os colaboradores a entenderem, de forma clara, os riscos e as boas práticas no uso da IA. Muitos dos incidentes atuais não são fruto de má-fé, mas de desconhecimento. Por isso, investir em conhecimento é uma forma direta de reduzir riscos.

Paralelamente, os comitês de ética em tecnologia ganham um papel importante na análise dos impactos da IA, inclusive os relacionados à proteção de dados, vieses algorítmicos e segurança da informação. Criar fóruns de discussão, que envolvam diversas áreas da empresa, é uma forma eficaz de alinhar tecnologia com valores corporativos e responsabilidade social.

Há também um impacto reputacional a considerar. Empresas que demonstram responsabilidade no uso da IA, que adotam políticas claras e transparentes, tendem a conquistar maior confiança do mercado, de clientes e investidores. Em um mundo onde a confiança digital é um ativo intangível, negligenciar a governança da IA pode custar caro.

Por outro lado, empresas que adotam a IA pública de maneira leviana, ou sem critérios claros, arriscam terem seus dados utilizados como matéria-prima para treinar modelos externos que podem, inclusive, ser usados por concorrentes. É o equivalente a compartilhar seu plano de negócios com o mercado sem nenhuma contrapartida. Esse é um risco estratégico e muitas vezes subestimado.

A urgência em estruturar uma governança de IA também passa por rever os contratos com fornecedores de tecnologia. É preciso atenção aos termos de uso, às cláusulas de confidencialidade e à política de retenção de dados. Muitos contratos padrão não protegem adequadamente a empresa em caso de vazamento ou uso indevido de dados. O jurídico precisa ser envolvido desde o início, e não apenas no momento do problema.

Empresas de setores regulados, como financeiro, saúde e telecomunicações, enfrentam desafios ainda maiores. O uso de IA pública, nesses casos, pode violar regras de sigilo profissional, proteção de dados sensíveis e compliance regulatório. A falta de controle sobre o destino das informações pode gerar sanções severas por parte das agências reguladoras.

A questão é que o uso da IA pública já está acontecendo. A maioria das empresas não tem ideia do quanto seus colaboradores já compartilham nessas plataformas. Por isso, é melhor construir uma política oficial, com zonas seguras de uso, do que simplesmente tentar proibir. O modelo de proibição sem alternativas apenas empurra o problema para a informalidade.

Investir em observabilidade, com ferramentas que monitorem o uso de IA nas redes da empresa, também é uma estratégia válida. Não se trata de vigiar o colaborador, mas de identificar comportamentos de risco e criar alerta que orientem a ação educativa. Segurança não deve ser um obstáculo à inovação, mas uma aliada estratégica.

Por fim, é preciso reforçar que a governança da IA não é uma barreira ao progresso. Ao contrário, ela é o alicerce que sustenta um uso inteligente, ético e seguro da tecnologia. Empresas que tratam a governança como parte do seu processo de inovação constroem soluções mais robustas, evitam danos reputacionais e preservam seus ativos mais valiosos: os dados, as ideias e a confiança.

A era da inteligência artificial exige não apenas ferramentas, mas maturidade. E essa maturidade começa quando líderes reconhecem que a inovação só vale a pena se vier acompanhada de responsabilidade. Se a sua empresa já está usando IA pública, a pergunta não é se há risco, mas se você sabe qual é – e o que está fazendo a respeito.

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Roberto Toscani

Executivo de empresa em tecnologia com proficiência em planejamento estratégico, governança e conformidade, segurança da informação e privacidade, gestão de riscos, sendo que nos 15 últimos voltados para Segurança da Informação e Privacidade em empresas de grande porte.

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