O lançamento do DREX — versão digital do Real brasileiro, que visa modernizar o sistema financeiro, tornando as transações mais eficientes, seguras e acessíveis — marcará um ponto de inflexão na história do sistema financeiro brasileiro. Mais do que uma versão digital da moeda nacional, o DREX representará uma infraestrutura moderna capaz de sustentar inovações que vão desde contratos inteligentes até a tokenização massiva de ativos. Em uma economia cada vez mais digital, essa nova arquitetura oferecerá as bases para um ecossistema financeiro mais inclusivo, eficiente e competitivo.
O DREX é parte de um movimento global liderado por bancos centrais que buscam emitir moedas digitais oficiais, conhecidas como CBDCs (Central Bank Digital Currencies). No caso brasileiro, sua concepção vai além do simples uso pelo consumidor final. O Banco Central desenhou o DREX para funcionar em uma estrutura de atacado, intermediada por instituições financeiras, com o objetivo de viabilizar a liquidação de ativos tokenizados em ambiente seguro e regulado. Isso abre espaço para uma revolução silenciosa, mas profunda, nos bastidores do sistema financeiro.
A tokenização de ativos — processo de representar ativos reais ou financeiros em forma de tokens digitais registrados em blockchain — ganhará um impulso extraordinário com o DREX. Hoje, os ativos tokenizados já incluem imóveis, cotas de fundos, recebíveis, precatórios e até participações em startups. A diferença será na integração com a moeda digital oficial, o que permite a liquidação instantânea, redução de custos operacionais e automatização de processos via smart contracts.
A perspectiva de liquidação atômica, onde a transferência do ativo e o pagamento ocorrerão simultaneamente e sem intermediários de compensação, é uma das promessas mais revolucionárias do DREX. Isso reduz significativamente o risco de contraparte, elimina janelas de liquidação e acelera a velocidade das transações — transformando o mercado financeiro em um ambiente verdadeiramente 24/7. A integração entre ativos digitais e uma moeda programável permite o surgimento de novos modelos de negócio que simplesmente não eram possíveis na lógica tradicional.
O potencial de democratização do acesso a investimentos também é um dos grandes trunfos da tokenização. Ao dividir ativos de alto valor em frações acessíveis por meio de tokens, investidores que antes estavam à margem do sistema passam a ter acesso a oportunidades antes restritas a grandes players. Isso favorece a inclusão financeira e a formação de um mercado secundário mais dinâmico e líquido, com maior participação da base da pirâmide econômica.
Por outro lado, nos desenhos apresentados do DREX como meio de liquidação de tokens exigirá das instituições financeiras e fintechs uma adaptação de suas infraestruturas. Isso exigirá novos níveis de Compliance, novos padrões de conectividade com o sistema DLT utilizado pelo BC e de governança digital.
O impacto regulatório não pode ser subestimado. A tokenização de ativos em ambiente supervisionado impõe o desafio de conciliar inovação com segurança jurídica. A criação de marcos regulatórios claros para emissão, negociação e custódia de tokens será determinante para a maturação do mercado. Nesse sentido, o Banco Central e CVM publicaram consultas públicas sobre pontos relacionados a tokenização, que poderão direcionar o DREX com o mérito de estabelecer uma infraestrutura que permite a tokenização com lastro e liquidez garantida, dentro das regras do jogo.
A interoperabilidade entre diferentes plataformas e blockchains será outro ponto-chave para o sucesso do novo modelo. O DREX não operará em blockchain pública, mas sim em uma estrutura DLT autorizada. Para que haja um ecossistema funcional e amplo, será necessário criar pontes tecnológicas e jurídicas que conectem ativos emitidos em ambientes distintos. Essa interconectividade pode permitir que tokens emitidos por startups de tecnologia dialoguem com grandes instituições financeiras e com o próprio sistema do Banco Central.
O mercado de capitais também deverá se beneficiar dessa transformação. A emissão de debêntures, CRIs e CRAs via token pode reduzir custos de distribuição, simplificar a negociação no mercado secundário e permitir maior rastreabilidade dos recursos. A tokenização ainda favorece a transparência e poderá reduzir a necessidade de intermediários, o que tende a baratear o custo de captação para as empresas e aumentar o retorno para investidores.
No setor de crédito, especialmente em linhas de financiamento garantidas por recebíveis ou imóveis, a tokenização tem o poder de reduzir o tempo entre a originação e a liquidação, além de permitir uma gestão mais precisa dos riscos. Com as expectativas do DREX, funcionando como meio de liquidação nativa, reforça essa eficiência operacional, o que pode destravar linhas de crédito para setores historicamente mal atendidos pelo sistema bancário tradicional.
A chegada do DREX e da tokenização também trará mudanças no papel das instituições financeiras e players de tecnologia bancária. Essas instituições deverão se posicionar como orquestradoras de redes, oferecendo infraestrutura, compliance e experiência regulatória para a emissão e negociação de tokens. Isso abre espaço para novos modelos de parcerias entre bancos, fintechs, emissores de ativos reais, empresários e sociedade.
A liquidez instantânea dos tokens transacionados, quando integradas ao DREX, também poderão transformar a gestão de tesouraria de empresas e governos. Imagine um município que pode tokenizar recebíveis de impostos e vendê-los no mercado com liquidação imediata e transparência total. Ou uma empresa que capta recursos via tokens lastreados em contratos futuros de venda. Essas possibilidades remodelam a forma como pensamos o financiamento de curto e médio prazo. De certa forma, aqueles tipos de crédito e antecipações já são possíveis, inclusive tokenizados, mas a expectativa da liquidação via moeda digital poderá reduzir os custos e fluxos para pagamentos ou transferências.
Do ponto de vista do consumidor, ainda que o DREX seja inicialmente um instrumento de atacado, nas operações interbancarias, os efeitos chegarão na ponta. A combinação de DREX com carteiras digitais, marketplaces de ativos e serviços integrados permitirá que pessoas físicas tenham acesso, em poucos cliques, a investimentos antes complexos e com barreiras de acesso.
A confiança do usuário, no entanto, será um elemento crítico. O uso de tecnologias avançadas não elimina os riscos de segurança, privacidade e fraude. Pelo contrário: sistemas descentralizados, mesmo em ambiente autorizado, exigem novas camadas de governança e de proteção de dados. Será fundamental que as soluções construídas com base no DREX tenham como premissa a transparência, a rastreabilidade e a auditabilidade das transações.
Empresas de tecnologia terão um papel central na construção dessa nova era. Elas serão responsáveis por desenvolver os contratos inteligentes, os mecanismos de tokenização e as interfaces que conectarão usuários e sistemas financeiros. A competição por soluções inovadoras e reguladas já começou — diferentes casos de uso estão em desenvolvimento e testes, e quem sair na frente nesse ambiente terá vantagem significativa nos próximos anos.
A educação do mercado será igualmente importante. Termos como “token”, “smart contract” e “liquidação atômica” ainda são desconhecidos para boa parte dos consumidores e até mesmo para gestores financeiros. Iniciativas de capacitação, conteúdo acessível e experimentação controlada serão essenciais para ampliar a adesão e evitar a concentração dos benefícios em poucos atores.
É importante também reconhecer que essa transformação não será instantânea. Como toda mudança sistêmica, a adoção do DREX e da tokenização enfrentará resistências culturais, desafios tecnológicos e inseguranças jurídicas. Porém, a direção é clara: o futuro das finanças será digital, programável e transparente.
A adoção do DREX poderá ser vista como uma oportunidade estratégica para o Brasil liderar um novo ciclo de inovação financeira. Com uma regulação moderna, uma população bancarizada digitalmente e um sistema financeiro sofisticado, o país reúne os ingredientes necessários para tornar-se referência global em CBDCs e ativos digitais.
Em última análise, o DREX e a tokenização tem a proposta de transformar não apenas os instrumentos financeiros, mas o próprio conceito de valor. Quando qualquer ativo pode ser representado digitalmente, negociado em tempo real e liquidado com segurança, mudamos a lógica do mercado, criamos novas economias e abrimos possibilidades que até pouco tempo eram inimagináveis.
O desafio agora é construir esse futuro com responsabilidade, inovação e inclusão. Quem entender desde já as implicações dessa nova infraestrutura estará mais preparado para capturar valor, reduzir riscos e liderar a próxima fase do mercado financeiro. Porque o futuro já começou — e ele é tokenizado.