Como a liderança pode transformar a cultura de segurança com a NR-1 em vigor?

‎Por Silmara Pereira

A atualização da Norma Regulamentadora n.º1 (NR-1), que trata das disposições gerais sobre saúde e segurança do trabalho, ampliou de forma significativa o papel estratégico da liderança nas organizações. Não se trata apenas de cumprimento legal ou burocrático. A nova NR-1 reforça uma lógica de co-responsabilidade, na qual líderes devem assumir uma posição ativa na construção de um ambiente seguro e saudável física e psicologicamente. Essa mudança não apenas altera processos, mas demanda uma profunda transformação cultural, que começa pelo topo da organização.

Historicamente, a saúde e segurança do trabalho foram vistas como atribuições exclusivas de áreas técnicas, como o SESMT. Com a NR-1 atualizada, a liderança passa a ser corresponsável pela implementação de medidas preventivas, gestão de riscos e, principalmente, pela criação de uma cultura de segurança que seja vivida na prática. Isso exige que os líderes compreendam o impacto de seus comportamentos, comunicações e decisões sobre o bem-estar dos colaboradores.

Um dos pontos centrais da norma é o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), que exige um olhar integrado para os perigos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais. Este último é, talvez, o mais desafiador, e também o mais negligenciado até então. A liderança tem papel essencial em mitigar riscos psicossociais, que incluem assédio moral, sobrecarga de trabalho, isolamento, pressão excessiva e falta de reconhecimento. Esses fatores têm impacto direto na saúde mental dos trabalhadores.

A segurança psicológica, conceito amplamente discutido no mundo corporativo, ganha um respaldo normativo quando entendemos que a NR-1 exige um ambiente de trabalho onde os riscos à integridade psíquica devem ser prevenidos e mitigados. E a segurança psicológica, por definição, depende da liderança. É ela quem dita o tom das relações interpessoais, da comunicação transparente e da cultura de acolhimento ao erro e à vulnerabilidade.

A liderança que apenas cobra resultados, sem considerar o contexto emocional de sua equipe, incorre em um risco duplo: compromete o desempenho a longo prazo e pode estar descumprindo os princípios da NR-1, ao expor colaboradores a um ambiente psicologicamente inseguro. O novo papel do líder, portanto, é integrador: une desempenho, saúde mental e conformidade legal em uma mesma direção estratégica.

Implementar o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), exigido pela NR-1, não é uma ação isolada do RH ou de consultorias externas. É uma jornada coletiva, liderada por quem ocupa cargos de gestão. Para isso, é fundamental que as lideranças sejam devidamente instrumentalizadas, com conhecimento e recursos para atuar de forma preventiva e colaborativa na promoção de ambientes mais seguros e saudáveis. O papel da liderança inclui fomentar o diálogo, acolher as necessidades das equipes e acionar, conforme necessário, o suporte de áreas técnicas especializadas. E cabe às empresas garantir essa preparação contínua e oferecer os instrumentos necessários, como capacitações, canais de apoio e acesso a equipes multidisciplinares, para que as lideranças possam exercer sua função com responsabilidade e efetividade.

Além disso, o exemplo da liderança tem um efeito multiplicador. Quando uma liderança prioriza segurança, acolhimento e bem-estar, ela modela comportamentos que tendem a ser replicados em cascata pelas equipes. Essa conduta tende a ser replicada em cascata pelas equipes, criando uma cultura mais resiliente e proativa. Isso não significa prescindir da exigência por resultados, mas transformar a forma como esses resultados são buscados, integrando desempenho com saúde e segurança.

Pesquisas, como o estudo “Psychological Safety and Learning Behavior in Work Teams“, conduzido por Amy Edmondson, apontam que ambientes com alta segurança psicológica são mais inovadores, engajados e produtivos. Ou seja, promover a saúde mental no trabalho é também uma decisão estratégica e competitiva. A NR-1 apenas reforça, em caráter normativo, algo que já vinha sendo reconhecido por líderes visionários: empresas saudáveis são feitas por pessoas saudáveis.

A liderança, portanto, precisa estar preparada para atuar com um novo conjunto de habilidades. Empatia, escuta ativa, gestão emocional, comunicação não violenta e visão sistêmica deixaram de ser soft skills e passaram a ser competências críticas para a conformidade e a sustentabilidade organizacional. O líder moderno é, também, um guardião da saúde emocional de sua equipe.

O processo de capacitação e conscientização dos líderes é fundamental. Implementar a NR-1 de forma eficaz exige formação contínua, com treinamentos não apenas sobre os aspectos técnicos do GRO e do PGR, mas também sobre os riscos psicossociais e o impacto da cultura organizacional na saúde mental. Um líder que não conhece esses riscos, dificilmente conseguirá mitigá-los.

Outro ponto de atenção está na coerência entre discurso e prática. Não adianta o topo da organização declarar compromisso com a saúde e segurança se os gestores diretos reforçam condutas tóxicas, ignoram sinais de exaustão ou desqualificam o sofrimento psicológico dos colaboradores. A credibilidade da liderança está em sua capacidade de agir com consistência, mesmo sob pressão.

A nova NR-1 também convida à reinvenção dos canais de escuta. Não basta ter uma ouvidoria formal se os líderes não estão acessíveis ou se os colaboradores têm medo de retaliação ao relatar problemas. Ambientes onde as pessoas se sentem seguras para falar, sugerir ou criticar são os mesmos onde os riscos são identificados mais cedo e as soluções surgem de forma colaborativa.

A liderança deve se comprometer com metas claras de redução de riscos e melhoria do clima organizacional. Assim como há indicadores para acidentes e doenças físicas, é possível e necessário acompanhar métricas de bem-estar, absenteísmo por questões emocionais, rotatividade e engajamento. A gestão de pessoas passa a ser também uma gestão de riscos.

Com a NR-1, a segurança do trabalho deixa de ser uma função operacional e se torna uma prioridade estratégica. Isso muda a natureza das reuniões de diretoria, do planejamento de metas e até dos bônus de desempenho. O líder que ignora esse novo cenário, está, de forma direta ou indireta, expondo a empresa a riscos legais, reputacionais e financeiros.

Não se trata de romantizar a saúde mental, mas de entendê-la como parte essencial da gestão moderna. Os dados são claros: transtornos emocionais lideram afastamentos do trabalho no Brasil. Empresas que não lidam com isso de maneira estruturada perderão talentos, produtividade e competitividade. A liderança é o principal fator de prevenção e acolhimento.

Para cumprir a NR-1, é necessário entender que saúde e segurança são construções coletivas, mas sempre impulsionadas pela liderança. Não adianta terceirizar o cuidado: é o líder quem transforma políticas em práticas, normas em comportamentos e obrigações legais em compromissos genuínos com o ser humano.

A NR-1 é mais do que uma norma. Ela representa uma mudança de paradigma: da cultura do controle para a cultura do cuidado. E essa mudança não será possível sem líderes preparados, presentes e engajados. Líderes que entendam que segurança não é ausência de acidentes, mas presença de respeito, diálogo e confiança.

Com essa perspectiva, a liderança se torna o elo entre estratégia e humanidade. A norma exige estrutura, mas é a liderança que garante sentido. É ela quem torna o ambiente de trabalho um lugar de realização, não apenas de produtividade. Esse é o verdadeiro impacto da NR-1 quando compreendida como instrumento de transformação.

Silmara-Pereira

CONSELHEIR@

Silmara Pereira

Executiva de RH com 14 anos de experiência em Gestão de Pessoas e atuação em Desenvolvimento Humano e Cultura Organizacional.

Desde 2018, expande sua atuação como Mentora de Carreira e de Líderes e Palestrante, apoiando empresas e profissionais na construção de estratégias para gestão e desenvolvimento de talentos.

Acredita no potencial único de cada pessoa e no poder dos talentos complementares para gerar resultados consistentes e sustentáveis. Seu propósito é impulsionar o desenvolvimento de líderes e profissionais mais conscientes, humanos e preparados para os desafios contemporâneos, por meio de uma escuta ativa, abordagem estratégica e foco no desenvolvimento integral, apoia profissionais a reconhecerem sua singularidade, fortalecerem sua atuação e transformarem positivamente os contextos em que estão inseridos.

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