A discussão sobre o papel do Customer Experience (CX) dentro das organizações tem ganhado força nos últimos anos, especialmente à medida que as empresas se tornam mais orientadas a dados e ao cliente buscando diferenciação em mercados altamente competitivos. Uma dúvida frequente surge sobre onde começa e termina o CX: ele é apenas um suporte para o pós-venda ou deve englobar todos os pontos de contato da jornada, incluindo o comercial? Essa questão não é trivial, pois define não apenas o escopo da área, mas também as responsabilidades e métricas que guiarão a experiência do cliente de ponta a ponta.
Quando pensamos no CX como um processo que começa apenas no pós-venda, estamos limitando seu potencial estratégico. Essa visão compartimentalizada trata o relacionamento com o cliente como uma sequência linear, em que primeiro vendemos e depois cuidamos da experiência. No entanto, a realidade do mercado e o comportamento do consumidor indicam um ciclo muito mais integrado e infinito, onde a experiência começa antes mesmo do cliente considerar uma compra. O marketing de conteúdo, o site institucional, os canais de atendimento, plataformas de reputação, as redes sociais e até mesmo o boca a boca já influenciam a percepção inicial da marca, se tornando o primeiro gatilho de interesse.
É justamente nesse primeiro contato, ainda no estágio de consideração ou descoberta, que o CX começa a atuar. A maneira como o potencial cliente encontra informações, a facilidade de navegar pelos canais digitais, o atendimento inicial nos chats ou call centers, tudo isso compõe a experiência. Portanto, reduzir o CX a uma função pós-venda ignora uma parte crucial da jornada, comprometendo a construção da confiança e da lealdade desde os momentos iniciais.
Do ponto de vista comercial, o CX atua como um aliado estratégico. As empresas que compreendem isso integram a experiência do cliente como um diferencial competitivo que facilita a conversão de vendas, pois compreendem que o CX também é uma fonte de leads. Um bom exemplo são as plataformas de e-commerce que investem em experiência personalizada, sugestões baseadas em comportamento construídos com base na jornada do cliente em suas estruturas devidamente rastreáveis, facilidade de checkout e atendimento proativo durante a compra (você já teve essa experiência, quando pesquisa algo do seu interesse e em seguida começa a receber ofertas similares). Esses elementos, ainda que façam parte do processo de venda, são também parte do CX, pois afetam diretamente a percepção de valor e a satisfação.
Por outro lado, tratar o CX como um “apêndice” do comercial ou do pós-venda gera conflitos operacionais. Se a experiência do cliente for responsabilidade apenas de uma área, enquanto outras atuam sem considerar o impacto de suas ações na jornada, cria-se uma desconexão irreversível. Essa falta de integração pode resultar em promessas não cumpridas, desalinhamento de expectativas e, consequentemente, frustração do cliente. É por isso que o conceito mais avançado de CX prega a transversalidade, com uma governança que permeia todas as áreas.
Além disso, a própria definição de touchpoint se expandiu. Antes restritos a interações diretas, hoje os pontos de contato incluem também influências indiretas, como comentários de outros clientes, reputação online e avaliações em marketplaces. Todos esses momentos, embora não controlados diretamente pela empresa, fazem parte da experiência percebida pelo cliente. Uma estratégia de CX abrangente precisa mapear e atuar, sempre que possível, nessas interações, antecipando crises e potencializando promotores da marca.
Os dados reforçam essa necessidade de olhar para o CX como algo maior que o pós-venda. Segundo uma pesquisa da PwC intitulada Future of Customer Experience revelou que 73% dos consumidores consideram a experiência um fator importante em suas decisões de compra, e 32% afirmaram que deixariam de amar uma marca após uma única experiência ruim. Já Epsilon uma empresa global especializada em dados, tecnologia e serviços para marketing e publicidade, destaca que 80% dos consumidores também preferem marcas com experiências personalizadas. Isso mostra que a experiência influencia diretamente a decisão de compra e a fidelização, o que conecta o CX diretamente ao resultado comercial da organização.
Outro aspecto relevante é a mudança de foco do funil de vendas para o ciclo de vida do cliente. O modelo tradicional de funil, que termina na conversão, está sendo substituído por abordagens circulares, como o flywheel, que colocam o cliente no centro e priorizam a retenção e o engajamento contínuos. Nesse contexto, o CX não termina no pós-venda, mas retroalimenta o ciclo, influenciando novas compras, recomendações e interações futuras.
As empresas líderes em experiência do cliente são aquelas que alinham marketing, vendas, operações e atendimento em torno de uma visão única da jornada. Essa integração exige tecnologia, processos e cultura organizacional voltados para o cliente. Ferramentas como CRM, plataformas de omnichannel e analytics são essenciais para capturar insights e entregar consistência em todos os pontos de contato. Mas sem uma mentalidade orientada ao cliente em todos os níveis, a tecnologia por si só não resolve.
Muitas organizações ainda caem na armadilha de medir o sucesso do CX apenas por indicadores de satisfação no pós-venda, como o Net Promoter Score ou o Customer Satisfaction Score. Embora importantes, essas métricas não capturam a experiência completa se desconsiderarem etapas anteriores, como a pesquisa inicial, o atendimento pré-venda e a experiência de compra. A análise precisa abranger toda a jornada para identificar gargalos e oportunidades de encantamento.
É importante também reconhecer que o CX é influenciado por fatores que vão além da interação direta com a empresa. O contexto econômico, as preferências culturais e as tendências tecnológicas moldam as expectativas dos clientes. Empresas que monitoram essas variáveis conseguem antecipar necessidades e entregar experiências mais relevantes, fortalecendo sua posição competitiva.
Quando o CX atua desde o primeiro contato até o pós-venda, ele se torna um ativo estratégico capaz de reduzir churn, aumentar o valor do ciclo de vida do cliente e transformar clientes em promotores da marca. Essa abordagem integral potencializa o cross-selling e o upselling, ao mesmo tempo que amplia o ticket médio e fortalece a reputação da marca no mercado.
Há também implicações na governança interna. Uma estratégia de CX abrangente requer patrocínio da alta liderança e colaboração interdepartamental. Não basta delegar a responsabilidade para a área de atendimento ou qualidade; é preciso envolver TI, logística, jurídico, finanças e todos os departamentos que, direta ou indiretamente, impactam a experiência do cliente.
Nesse sentido, o CX não é apenas um papel operacional ou tático, mas uma estratégia de negócio. Ele direciona decisões sobre quais mercados entrar, quais produtos lançar, como precificar e até quais parceiros escolher. Empresas orientadas pela experiência do cliente usam os insights da jornada para inovar e se adaptar mais rapidamente às mudanças do mercado.
O desafio, porém, está na execução. Alinhar todas as áreas em torno da experiência do cliente exige uma mudança cultural profunda, que passa pela quebra de silos, revisão de processos e implementação de novos modelos de governança. Muitas empresas iniciam essa jornada com pequenas iniciativas, mas os líderes conseguem escalar essa visão para toda a organização.
Outro ponto crítico é garantir consistência na entrega da experiência. Um atendimento excelente na pré-venda pode ser anulado por uma falha na logística de entrega ou um problema no faturamento. Por isso, o CX precisa atuar de forma holística, garantindo que todas as etapas da jornada entreguem o valor prometido, sem rupturas que prejudiquem a percepção do cliente.
O papel do colaborador também ganha relevância nesse contexto. Funcionários bem treinados, engajados e empoderados são peças-chave para entregar uma experiência memorável. Empresas que investem na experiência do colaborador colhem reflexos positivos na experiência do cliente, criando um ciclo virtuoso que beneficia ambas as partes.
Não menos importante, o CX se conecta com o propósito da marca. Cada interação com o cliente é uma oportunidade de reforçar os valores e a missão da organização, criando um vínculo emocional que vai além da transação comercial. Esse vínculo é um dos pilares da lealdade no longo prazo e contribui para diferenciar a empresa em mercados saturados.
Diante de tudo isso, fica claro que o CX não é apenas um suporte ao pós-venda nem uma extensão do comercial. Ele é a cola que conecta todos os pontos de contato da jornada, desde o primeiro clique no site até o suporte pós-compra. Reduzir o CX a uma função isolada é desperdiçar seu potencial transformador e estratégico para o negócio.
Por fim, entender o CX como uma jornada contínua e integrada é o caminho para empresas que desejam não apenas vender mais, mas construir relacionamentos duradouros, relevantes e lucrativos com seus clientes. Ao expandir o olhar para além do comercial e do pós-venda, as organizações se posicionam de maneira mais competitiva, resiliente e preparada para os desafios de um mercado cada vez mais orientado pela experiência.