O agro digital e governança de dados

‎Por Gislaine Canali

O agronegócio é um dos setores econômicos de maior resiliência e demonstra uma consistente capacidade de se reinventar, ano após ano, mesmo diante de cenários complexos.

Uma das alavancas de alto desempenho do setor é a inovação, uma importante aliada para suprir a alta e crescente demanda alimentar. Pesquisas recentes revelam um considerável desenvolvimento tecnológico no campo, apesar dos desafios. A PWC apurou que 45% das empresas do agro utilizam sensores IoT e 78% dos líderes planejam investir na integração da IA com plataformas tecnológicas. A última edição do índice Agrotech medido pela GS1[1] Brasil, que mensura o nível de automação e digitalização do agronegócio brasileiro, confirma avanços na modernização do setor.

De fato, um celeiro de inovações pôde ser visto na Agrishow – edição 2025, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, sediada em Ribeirão Preto/SP. O público presente pôde capturar insights valiosos e fortalecer o senso de pertencimento a um dos setores mais estratégicos da economia mundial. Tecnologias customizadas de ponta a ponta da esteira produtiva foram apresentadas durante o evento, com a demonstração de robótica, machine learning (aprendizado de máquina), IoT (internet das coisas), veículos autônomos e elétricos, câmeras e sensores inteligentes, operabilidade por comando de voz, “máquinas agrícolas verdes”, diferentes ferramentas de IA (inteligência artificial), telemetria, softwares, plataformas e aplicações de “tirar o chapéu”. Essa robusta capacidade inventiva contribui para a agricultura de precisão, manejo em áreas de difícil acesso, otimização de decisões, aplicação precisa de insumos, agilidade corretiva, eficiência energética e o tão esperado aumento de produtividade, entre outras ofertas de valor.

A indústria do Agro chegou a sua 5ª revolução, em plena onda de disruptividade. E, para extrair a sua máxima potencialidade, é preciso zelar pelas boas práticas de mercado, para o equilíbrio entre a conformidade, a eficiência e a sustentabilidade. A atual Agricultura 5.0 é marcada pelo alto volume de processamento de informações, tornando a governança de dados, foco de atenção na detecção e resposta a riscos. Informações massivas, incluindo Dados Pessoais[2], de diversas fontes e categorias[3] são embarcadas nas tecnologias e nos processos operacionais e estratégicos porteira afora, além de segredos industriais, aspectos concorrenciais e outras questões legalmente protegidas.

Como ocorre em qualquer setor, a governança acaba relegada a plano secundário, como se pudesse aguardar o melhor momento para entrar na lista de prioridades. Contudo, planejamentos menos criteriosos podem significar a tomada de riscos desconhecidos, evitáveis, não dimensionados e tratados, capazes de comprometer e, até inviabilizar, negócios por erro de estratégia. Situações de crise sem o devido preparo, demandam a árdua capacidade de gerenciamento sob pressão, incorrendo em custos não orçados, desvio do foco do negócio, áreas chave destreinadas, fornecedores estratégicos não previamente avaliados, perda de receita, risco reputacional e uma série de consequências (legais e regulatórias) que tornam as adversidades ainda mais tensas.

Por isso, algumas habilidades são essenciais para operar na era da transformação digital. Visão sistêmica, novos conhecimentos e adaptabilidade, são algumas das competências atualmente importantes. Isso porque, cada vez mais, há uma constante integração multidisciplinar. Exemplificativamente, o campo costuma demandar determinadas necessidades que passam pela avaliação de diferentes profissionais, departamentos e agentes externos (fornecedores, parceiros, etc.), até a escalada da decisão. Para suportar um posicionamento assertivo e seguro, algumas medidas devem fazer parte da estratégia, naturalmente.

É imperativo incluir entre as prioridades, a gestão responsável de informações de terceiros e da própria empresa. E como fazer isso? O assessoramento especializado em proteção de dados, governança corporativa, compliance e segurança da informação é um dos pilares de relevante ajuda para a estruturação de um conjunto de medidas, visando garantir a conformidade. Esse suporte pode ser realizado por profissionais capacitados a atuarem internamente nas organizações ou pela contratação de serviços externos especializados.

Se as operações envolverem o processamento de Dados Pessoais, a LGPD impõe aos agentes Controladores[4] a indicação de um encarregado (ou DPO), conforme estabelecido na mencionada lei, para o cumprimento de atribuições específicas, inclusive a interação com a Agência Nacional de Proteção de Dados – ANPD. Profissionais de proteção de dados fornecem recomendações quanto às boas práticas de um programa de governança em privacidade e orientações sobre processos, procedimentos, políticas e registros de operações. Auxiliam na recomendação de mecanismos para supervisão e mitigação a riscos, como Relatórios de Impacto a Proteção de Dados Pessoais (RIPD) e medidas de segurança para proteção dos dados contra acessos não autorizados, situações acidentais ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito. Faz parte, ainda, do escopo da assistência em privacidade de dados, o suporte contratual para regular o uso de Dados Pessoais, como também o cumprimento de requisitos legais, em caso de transferência internacional de Dados Pessoais ou um incidente de segurança. Na era digital, uma das maiores contribuições de uma assessoria em privacidade é a avaliação de produtos e serviços, para que adotem padrões de design compatíveis com a LGPD, incluindo a privacidade por padrão e a limitação da coleta de Dados Pessoais ao mínimo necessário para as finalidades definidas.

O segundo pilar é a capacitação. Normalmente, há maior preocupação em investimentos técnicos para selecionar, desenvolver ou utilizar inovações que melhor atendam às demandas do negócio. Isso é realmente importante. Porém, a capacitação em conformidade é fundamental. Ações estruturadas devem ser efetivamente implementadas o mais cedo possível, ainda na fase de um projeto ou quando houver alterações substanciais em processo ou em sistemas ou na contratação de fornecedores estratégicos e na configuração de parcerias. Organizações comprometidas com a privacidade, integridade e segurança da informação, engajam todos os níveis internos à conscientização de seus respectivos papéis e responsabilidades, fomentando o envolvimento das áreas e players-chave, previamente às suas iniciativas de inovação. Altos investimentos (principalmente em capital financeiro, tecnológico e humano) sem sustentabilidade, podem se transformar em amargos custos, ao invés de soluções. Práticas de governança, elevam o nível de maturidade e de responsabilidade corporativa, endereçam fatores críticos e contribuem para a perenidade e competitividade dos negócios.


[1] A GS1, organização global presente em 150 países, promove padrões globais de identificação, comunicação e compartilhamento de informações para mais de 40 setores da economia. https://gs1br.org

[2] Informação relacionada a pessoa natural (ou seja, um indivíduo) identificada ou identificável.

[3] Dados de identificação pessoal, dados de autenticação em sistemas, dados financeiros. Referência BRASIL. Resolução CD/ANPD nº 15, de 27 de abril de 2024. Aprova o Regulamento de Comunicação de Incidente de Segurança. Diário Oficial da União, Brasília, 28 abr. 2024. Seção 1, p. 114.[4] Pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis pelas decisões referentes ao tratamento de Dados Pessoais.

Gislaine-Canali

CONSELHEIR@

Gislaine Canali

Gislaine Canali é uma executiva jurídica, com sólida trajetória em empresas nacionais e globais das indústrias de Telecomunicações, da Saúde e do Agronegócio. É especialista em Direito Digital, Tecnologia e Proteção de Dados.

Foi Gerente Jurídica da Nutrien, multinacional Canadense, atuando em unidade industrial de fertilizantes e no varejo agrícola. Possui extensa experiência no suporte ao negócio, em demandas operacionais e estratégicas, contratuais, negociais, consultivas, regulatórias e contenciosas. Integrou o time global de Integridade/Compliance e participou de operações de M&A e de processo de integração das entidades legais, após aquisições. Em 2020, assumiu a gestão da área de Privacidade de Dados & Propriedade Intelectual da Nutrien, com intenso envolvimento na jornada de transformação digital e em iniciativas de inovação, liderando Projetos de Conformidade e sendo a responsável pela implantação do Programa Global de Privacidade de Dados nas subsidiárias brasileiras, na função de DPO – Data Privacy Officer/Brasil.

É graduada em Direito (PUC/MG), com LL.M em Direito Civil (USP/Ribeirão Preto) e especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário (UGF/RJ). Cursou Administração de Empresas (Universidade FUMEC/BH), agregando conhecimentos complementares à atuação corporativa. Possui certificação internacional CIPM (Information Privacy Manager), pela Associação Internacional de Profissionais de Privacidade (IAPP), integrando uma comunidade global que reúne mais de 10.000 profissionais em privacidade de dados. É proficiente em inglês e espanhol.

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