O Futuro do ecossistema de Marketplace no Brasil

agosto, 2024‎ ‎ ‎ |

‎Por Fabio Davidovici

O ecossistema de comércio eletrônico no Brasil passou por uma revolução significativa na última década. Além do crescimento expressivo no número de agentes, compradores, transações e faturamento, os modelos de negócio evoluíram e se consolidaram. Há dez anos, as vendas online representavam menos de 2,6% do varejo, com um faturamento de R$35,8 bilhões e quase 38 milhões de compradores ativos. O crescimento era limitado por fatores como logística, acesso e confiabilidade dos meios de pagamento, e serviços financeiros restritos. Os modelos de venda sem intermediários (1P) eram comuns, apoiados por sites de busca e comparação de preços.

Atualmente, o comércio eletrônico representa mais de 11,5% do varejo no Brasil, com um faturamento de R$254,4 bilhões em 2023 e mais de 108,4 milhões de compradores ativos. A pandemia de Covid-19 foi um catalisador importante, levando milhões de pessoas a realizarem suas primeiras compras online. A competição aumentou, com quase 2 milhões de lojas virtuais, o que impulsionou a necessidade de novos modelos de negócio, como as plataformas de marketplace “3P”, exemplificadas por Mercado Livre, Americanas, Shopee, Amazon Brasil e Magazine Luiza.

As plataformas de marketplace ampliaram seu escopo para além da simples intermediação entre compradores e vendedores, oferecendo serviços complementares de logística, entrega, pagamento, crédito, precificação, tecnologia e importação. Essa transição do modelo 1P para o 3P trouxe mudanças significativas no ecossistema de e-commerce, afetando todos os agentes envolvidos. As transformações dos últimos dez anos levantam questões sobre o futuro: quais serão os principais motores de inovação? Como as novas gerações de nativos digitais se tornarão consumidores online? Essas questões foram abordadas em uma dissertação de mestrado da FGV-EAESP, cujos principais resultados são discutidos neste artigo.

O avanço da tecnologia no ambiente digital tem impactado significativamente as plataformas de marketplace. Projetar o futuro dessas plataformas requer uma compreensão profunda dos principais fatores que moldam os cenários futuros e das tecnologias emergentes. A análise Pestel, que considera fatores políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, ambientais e legais, é um método eficaz para identificar essas forças motrizes. A construção de cenários usando a matriz 2×2, desenvolvida por Rhydderch, ajuda a prever diferentes cenários futuros ao identificar duas forças de alta incerteza e impacto significativo, resultando em quadrantes que representam diferentes cenários futuros.

Entre os key drivers, destacam-se políticas governamentais, regulamentações sobre privacidade de dados, e questões econômicas como globalização versus incentivos locais. Socialmente, as mudanças nos hábitos de consumo da Geração Z e a crescente conscientização sobre sustentabilidade são forças motrizes importantes. Na dimensão tecnológica, IA e machine learning transformam a personalização da jornada do cliente, enquanto realidade aumentada e blockchain oferecem novas possibilidades para experiências imersivas e transações seguras. A sustentabilidade e o retorno às raízes com lowtechs são fatores ambientais relevantes que influenciam as estratégias dos marketplaces.

No ecossistema de marketplaces, tecnologias emergentes como IA, machine learning, drones para logística e realidade aumentada estão sendo adotadas para aumentar a eficiência e melhorar a experiência do usuário. Tecnologias como assistentes virtuais e blockchain podem aprimorar a personalização, segurança e transparência das transações. A implementação eficaz dessas tecnologias representa um diferencial competitivo para os marketplaces, permitindo explorar novas fronteiras de inovação e preparar estratégias robustas para enfrentar futuros desafios e aproveitar oportunidades emergentes.

A matriz 2×2 de cenários futuros proposta por Rhydderch permite analisar a dinâmica futura da indústria de marketplaces. No cenário “mundo livre”, com mais globalização e menos regulamentação, haverá maior competição internacional e consolidação no mercado brasileiro devido à flexibilidade, inovação e menores barreiras de entrada. No cenário mais global e mais regulamentado, players internacionais aumentarão sua presença, favorecendo incumbentes e possivelmente beneficiando competidores brasileiros através de taxação de impostos. Em um mundo menos global e menos regulamentado, competidores locais são fortalecidos, resultando em maior fragmentação do mercado. Finalmente, um mundo menos global e mais regulamentado promove a consolidação de competidores locais e incentivos para pequenos empreendedores.

As implicações dos cenários futuros destacam várias tendências para a indústria de marketplace brasileira. A personalização da jornada de compra com uso de inteligência artificial se intensificará, e tecnologias acessíveis permitirão que pequenos vendedores ofereçam serviços comparáveis aos de grandes empresas. A jornada de consumo se tornará mais caótica e flexível, e haverá um aumento de serviços adicionais nas plataformas, como empréstimos financeiros e propagandas, conhecidos como retail mídia. A eficiência operacional será crucial, com entregas rápidas e acuradas. A Geração Z, caracterizada por ansiedade e busca por novas experiências, terá um impacto significativo no consumo, preferindo usar e aproveitar momentos em vez de possuir bens.

Outras tendências incluem a conscientização por um modelo de vida mais sustentável, o uso de concierges digitais para automatizar interações e escolhas com realidade aumentada, e a possível fusão de marketplaces com plataformas de mídia social. Surgirão plataformas que oferecerão orientação hiper personalizada nas decisões importantes dos clientes, assumindo um papel de amigo íntimo. Novos modelos de rating, com score para influenciadores, políticos e sistemas de saúde, também se desenvolverão. Esses cenários e tendências moldarão o futuro dos marketplaces, preparando as organizações para enfrentar desafios e aproveitar oportunidades emergentes.

A transformação da indústria de marketplaces poderá ser profunda e abrangente, trazendo importantes implicações para os agentes econômicos. Para os compradores, a personalização extrema proporcionará uma combinação perfeita de praticidade, experiências sensoriais e entretenimento, além de impulsionar a economia da experiência com o aumento de serviços como aluguel de bens. Para os vendedores, haverá maior poder de negociação em um cenário de sourcing mais local, com novos processos de rating que propiciarão maior transparência no nível de serviço.

As plataformas enfrentarão maior competição global, o que poderá reduzir o poder das plataformas brasileiras, enquanto o surgimento de super plataformas, resultantes da fusão de marketplaces com mídias sociais, gerará uma maior oferta de entretenimento com experiências híbridas. As empresas de logística buscarão eficiência, possivelmente resultando em maior consolidação na indústria. Controladores de mídia e agências de marketing poderão ver uma redução de relevância, pois as plataformas assumirão seus papéis via retail mídia. A infraestrutura de dados necessitará de investimentos significativos devido à explosão no processamento de dados.

Agências reguladoras e governos aumentarão a regulamentação em áreas como direitos autorais, taxação de impostos, privacidade de dados, criptoativos e poder das plataformas, e enfrentarão o desafio de defender a indústria local em caso de consolidação internacional do setor. Apesar da incerteza quanto ao futuro da indústria, as empresas que aparentam ter maior vantagem competitiva no contexto atual de mercado são a Amazon, o Mercado Livre, a Magalu e a Shopee. Em suma, como afirmou Mahatma Gandhi, “o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente”.


Com participação de mais dois Autores: Vanessa Martins dos Santos e Adrian cernev

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Fabio Davidovici

Fabio Davidovici é paulistano, casado com Fernanda, pai de Aron, Rebeca e Ilana. É formado em engenharia pela Poli, possui MBA e MPA pela FGVSP, PMD pelo IESE e certificação CFA e APICS. Construiu sua carreira em diversas indústrias como linha branca, mercado editorial, aviação, fintech, investment bank e varejo com vivência tanto executiva, quanto empreendedora. Combina de uma forma única visão de finanças , estratégia e operações, atuando como CFO, COO ao longo da sua trajetória profissional.

Tem contribuído fortemente para transformação e inovação da Aramis há 10 anos. Apaixonado por inovação, recebeu em 2021 o prêmio de CFO mais inovador do ano em varejo de moda da América do Sul pelo britânico Global CFO Excellence Awards e também é conselheiro de empresas.

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