Como a digitalização transforma os serviços domésticos no Brasil?

novembro, 2024‎ ‎ ‎ |

‎Por Francisco Belda

O mercado de serviços domésticos no Brasil está passando por uma transformação significativa. Tradicionalmente caracterizado pela informalidade e pela contratação boca-a-boca, o setor agora vê uma crescente digitalização, impulsionada por plataformas digitais que facilitam a conexão entre contratantes e prestadores de serviço. O Brasil, um dos maiores mercados globais de home services, tem um enorme potencial de crescimento, mas ainda está em uma fase inicial de digitalização em comparação a outros países. Para líderes de tecnologia e empresários, entender o desenvolvimento desse mercado pode revelar oportunidades valiosas de inovação e expansão.

O mercado de home services no Brasil movimenta mais de R$ 105 bilhões anuais, conforme dados e valores de 2021 do banco JP Morgan, e inclui uma ampla gama de atividades, desde limpeza e manutenção até reparos e cuidados infantis. O segmento de limpeza doméstica responde pela maior fatia desse mercado, com R$ 70 bilhões por ano, incluindo tanto diaristas quanto empregadas domésticas. No entanto, o processo de digitalização e profissionalização de serviços domésticos ainda é recente. De acordo com uma pesquisa da ABStartups, o número de startups focadas em home services cresceu significativamente nos últimos anos, atraindo investimentos e criando novas formas de conectar clientes e prestadores de serviço.

Empresas como Angi/Handy (Estados Unidos), Urban Company (Índia) e Helpling (Europa), no exterior, e GetNinjas e Parafuzo, no Brasil,  são exemplos de plataformas que têm liderado essa transformação, oferecendo marketplaces que operam em modelo B2C onde é possível contratar profissionais de diversas áreas. Mas o diferencial do modelo end-to-end, adotado por algumas dessas plataformas, como a Parafuzo, ainda é raro no mercado brasileiro. Esse modelo inclui não apenas a intermediação do serviço, mas também acompanhamento de sua execução e qualidade, através de tecnologias com funcionalidades para seleção de profissionais (vetting), meios de pagamento integrados, seguros contra acidentes decorrentes da prestação de serviço e cross-sell de produtos e serviços relacionados.

Esse cenário cria uma oportunidade única para empresas de tecnologia que buscam ampliar sua participação em um setor tradicionalmente informal, promovendo a formalização e a segurança tanto para contratantes quanto para prestadores de serviços.

Por que o Brasil é um mercado único?

O Brasil possui algumas características que o diferenciam de outros mercados globais de home services. Estima-se que, no país, o percentual de contratações via plataformas digitais ainda não passe de 1%, índice muito aquém do registrado em outros mercados onde a penetração digital é muito maior.

A mais recente edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do (Pnad), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizada no último trimestre de 2023, contabilizou 6,3 milhões de trabalhadores domésticos no país. Mais de 75% dos profissionais de serviços domésticos no Brasil atuam sem contratos formais ou vínculos trabalhistas, de acordo dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O DIEESE reporta que uma parcela significativa do trabalho doméstico no Brasil ocorre de forma informal, sendo que cerca de três em cada quatro trabalhadores não possuem carteira assinada​. Isso gera desafios para plataformas digitais, que precisam balancear praticidade e legalidade, além de promover a confiança de ambas as partes no ambiente online.

Dados do IBGE também mostram uma migração acelerada de empregadas domésticas mensalistas para o modelo de diaristas, conforme tendências registrada em países mais desenvolvidos.Além disso, a demanda por serviços domésticos é alta e diversificada. Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a demanda por serviços especializados no setor reflete uma tendência crescente de terceirização de tarefas domésticas entre brasileiros. Esse comportamento é motivado pela busca de profissionais qualificados e pela conveniência de evitar a realização dessas tarefas, que incluem também manutenção e reparos, por conta própria. Essa tendência reflete a cultura local, em que muitos preferem delegar tarefas a especialistas, criando um mercado amplo e com grande potencial de expansão para plataformas digitais.

O papel da inteligência artificial e outras tecnologias emergentes

A inteligência artificial e outras tecnologias emergentes estão remodelando a forma como as plataformas de home services operam, tornando o processo de contratação e prestação de serviços mais ágil e seguro. A IA tem sido aplicada em várias etapas desse processo, desde a verificação de antecedentes dos profissionais até a recomendação personalizada de serviços e a precificação dinâmica conforme variações de mercado. Um exemplo é o matchmaking inteligente, onde plataformas digitais usam algoritmos de IA para analisar perfis e preferências dos usuários, conectando-os com prestadores de serviço que melhor atendem às suas necessidades. Esse tipo de matchmaking aumenta tanto a satisfação do cliente quanto a taxa de retenção de profissionais qualificados.

Além disso, a automação no atendimento ao cliente já é uma realidade em muitas plataformas, que implementaram chatbots baseados em IA para responder a perguntas frequentes e auxiliar os usuários durante a contratação. Essa automação melhora a experiência do usuário, especialmente no suporte inicial, ao reduzir o tempo de espera e oferecer respostas imediatas. Outro uso importante da IA está nos sistemas de avaliação e feedback, onde é utilizada para analisar as avaliações dos usuários e identificar padrões de comportamento e pontos de melhoria para os prestadores de serviço. Assim, as plataformas conseguem aprimorar continuamente o processo de seleção e treinamento dos profissionais, garantindo um serviço de maior qualidade e eficiência.

Casas conectadas e serviços mais inteligentes

O conceito de casas conectadas está ganhando força no Brasil, e isso tem impacto direto nos serviços domésticos. Dispositivos inteligentes, como câmeras de segurança, assistentes virtuais (como Alexa e Google Home), termostatos e luzes automatizadas, estão se tornando cada vez mais comuns. Esses dispositivos não apenas facilitam a vida dos moradores, mas também criam novas oportunidades para prestadores de serviço que precisam lidar com a manutenção e instalação desses equipamentos.

Por exemplo, um técnico de manutenção que se especializa em dispositivos IoT pode ser altamente valorizado em uma casa conectada. Além disso, a conexão entre dispositivos pode fornecer dados em tempo real sobre o uso e estado dos ambientes e equipamentos da casa, permitindo que as plataformas prevejam a necessidade de limpeza, abastecimento, manutenção ou substituição de forma proativa.

Limites da automação nos serviços domésticos

Embora a automação e a inteligência artificial estejam transformando o setor de home services, ainda existem limitações claras. A maioria dos serviços domésticos envolve tarefas que requerem habilidades interpessoais e flexibilidade, características que as máquinas ainda não podem replicar com eficácia. Limpeza, passadoria de roupas, montagem de móveis, cuidados com crianças, e mesmo reparos e manutenções exigem habilidade, julgamento humano, adaptabilidade e uma abordagem prática que ainda são desafiadores para a automação.

Outro limite importante é a questão da privacidade. Em um setor tão próximo e pessoal como o de serviços domésticos, a confiança é essencial. A presença de dispositivos conectados e monitoramento por IA pode levantar preocupações sobre a invasão de privacidade, tanto para os contratantes quanto para os prestadores de serviço. As plataformas digitais precisam garantir que seus sistemas respeitem a privacidade dos envolvidos, evitando o uso excessivo de vigilância e monitoramento.

O futuro do mercado de serviços domésticos no Brasil

Com a contínua expansão das plataformas digitais e o avanço das tecnologias emergentes, o mercado de serviços domésticos no Brasil está apenas começando a explorar seu verdadeiro potencial. Nos próximos anos, é provável que vejamos o crescimento da participação das plataformas nesse mercado e o surgimento de marketplaces mais robustos, com uma integração ainda maior de serviços, produtos e seguros, e um processo mais transparente e seguro de contratação.

O uso de dados e analytics também deve crescer, permitindo uma personalização cada vez maior dos serviços. Além disso, sinergias comerciais devem fazer com que se intensifiquem as parcerias entre plataformas de home services, seguradoras, provedores de assistência residencial, administradoras de condomínios e facilities e fabricantes de dispositivos de casas conectadas, criando um ecossistema interligado que oferece conveniência e segurança para os usuários.

No entanto, o sucesso dessa transformação dependerá de uma regulamentação adequada que proteja os direitos dos prestadores de serviço e das plataformas e que assegure a qualidade dos serviços oferecidos. O desafio está em encontrar o equilíbrio entre a inovação tecnológica e a responsabilidade social, especialmente em um setor que envolve tantos trabalhadores informais. Uma das alternativas, neste sentido, é ampliar os incentivos para que esses trabalhadores se registrem como microempreendedores individuais (MEI), com acesso à previdência social, abrindo um caminho para a formalização de milhões de trabalhadores.

Com isso, o mercado de serviços domésticos no Brasil pode se transformar rapidamente, impulsionado por plataformas digitais que facilitam a contratação e a prestação de serviços de maneira segura e eficiente. Com um enorme potencial de crescimento, o Brasil se destaca no cenário global por suas características únicas, largo espaço para digitalização e alto potencial de demanda por serviços terceirizados.

As tecnologias emergentes, especialmente a inteligência artificial e os dispositivos conectados, estão remodelando o setor, permitindo uma experiência mais personalizada e integrada. Contudo, ainda existem desafios, como a questão da privacidade e os limites da automação, que precisam ser superados para que esse mercado alcance todo o seu potencial.

Para empresários e líderes de tecnologia, este é o momento ideal para investir em soluções inovadoras e explorar as oportunidades oferecidas por esse setor em expansão. O futuro dos serviços domésticos no Brasil promete ser cada vez mais digital, inteligente e interconectado.

Francisco-Belda

CONSELHEIR@

Francisco Belda

Co-CEO da Parafuzo, com mais de 20 anos de experiência nas áreas de mídia, tecnologia e jornalismo, com foco em liderar iniciativas empresariais inovadoras. Além de conduzir a Parafuzo, sou professor de Jornalismo e de Mídia e Tecnologia na Unesp, coordenador do Trust Project no Brasil, e diretor de operações do Projor e board member na IMMAA. Também foi diretor da Blumpa Tecnologia, startup de serviços domésticos que fundiu-se à Parafuzo em 2020, fundei a Editora Casa da Árvore e, colaboro com o selo musical Ori Records. Tive experiência internacional como professor visitante e pesquisador em pós-doutorado na Brandeis University, nos Estados Unidos, e sou membro do conselho diretor da International Media Management Academic Association (IMMAA). Doutor em Engenharia de Produção e mestre em Ciências da Comunicação pela USP, busco integrar tecnologia, e inovação ena comunicação para impactar positivamente a sociedade.

 

 

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