O papel do advogado dentro das empresas está passando por uma transformação profunda. Tradicionalmente, a função jurídica no ambiente corporativo era vista como uma área de suporte reativa, focada em minimizar riscos consolidados e resolvê-los somente após o seu surgimento. Hoje, porém, as demandas do mercado e a complexidade regulatória estão exigindo um advogado mais estratégico, comunicativo, criativo e proativo, que não apenas previne riscos, mas também contribui para o crescimento e a inovação do negócio.
Historicamente, o departamento jurídico de uma empresa era visto como um centro de custo, dedicado exclusivamente a proteger a empresa contra litígios e garantir a conformidade com a legislação. O foco principal dos advogados corporativos era evitar problemas jurídicos, e sua atuação era muitas vezes isolada do restante da organização, com pouca interação com outras áreas de negócios.
Pode parecer óbvio, mas essa forma tradicional de atuação gera como resultado diversos prejuízos ao negócio, e por prejuízos, leia-se, benefícios poderosos que deixaram de ser incorporados na empresa. E o resultado é perceptível quando vemos o reflexo que isso transmite nas demais áreas do negócio, na forma como enxergam o jurídico. Um ótimo exemplo disso é o medo que relatam ter quando precisam falar com o jurídico, ou ainda o desespero quando o jurídico marca uma reunião repentina.
Funções tradicionais do jurídico corporativo:
- Análise e elaboração de contratos
- Representação em disputas judiciais
- Gestão de compliance e conformidade regulatória
- Monitoramento de riscos legais e regulatórios
Essa atuação, essencial para proteger a empresa, também limitava o potencial jurídico para agregar valor estratégico. O advogado era frequentemente acionado apenas em situações de emergência ou para resolver impasses legais, o que muitas vezes levava à percepção de que o departamento jurídico atuava como uma “barreira” ao invés de um facilitador para o negócio e qualquer presença é marcada por posturas defensivas, impedindo uma atuação mais eficiente e focada no negócio
Nos últimos anos, a pressão por maior eficiência e a transformação digital que impacta todos os setores têm levado as empresas a buscar um papel mais ativo para seus departamentos jurídicos. A função do advogado corporativo deixou de ser apenas a de um “guardião da conformidade” e passou a englobar atividades estratégicas que contribuem para o desenvolvimento da empresa.
Fatores que estão impulsionando a transformação do jurídico corporativo:
O aumento da complexidade regulatória tem exigido que o jurídico corporativo assuma um papel cada vez mais especializado. Com o crescimento de regulamentações em áreas como proteção de dados, ESG (Environmental, Social, and Governance) e cibersegurança, as empresas precisam contar com advogados capazes de interpretar e aplicar essas normas de forma a agregar valor ao negócio. Esse movimento reflete a necessidade de compliance e a importância de manter a empresa em conformidade com as demandas legais de forma estratégica e fortalece a importância da presença mais constante do advogado na estrutura estratégica organizacional.
Além disso, a demanda por agilidade tem se tornado crucial em um mercado que valoriza respostas rápidas. Em um cenário em constante transformação, em uma inevitável pluralidade de projetos paralelos que, muitas vezes, são inovadoras e demandam propostas criativas, é indispensável que o jurídico ofereça soluções ágeis, permitindo que a empresa se adapte rapidamente a novas oportunidades e desafios. Essa capacidade de resposta tem ampliado o papel do advogado, que agora deve conciliar conhecimento técnico com velocidade, comunicação, criatividade e eficácia para apoiar decisões de negócio.
Outro fator determinante é a integração com a estratégia corporativa. Hoje, o jurídico não se limita mais a uma função de suporte; ele participa do planejamento estratégico, oferecendo insights que ajudam a mitigar riscos desde o início dos projetos. Essa mudança tem elevado o papel do advogado a um parceiro estratégico, contribuindo diretamente para o crescimento e inovação sustentável da organização.
A mudança de perspectiva no método de atuação deve gerar impactos desde a concepção de iniciativas estratégicas para, além de prevenir riscos futuros, ser decisivo na possibilidade de criar soluções criativas para, dentro da lei, viabilizar a proposta e garantir o máximo do resultado. Essa presença do jurídico no planejamento estratégico tem demonstrado que a criatividade e a capacidade de assimilação de diversos temas do conhecimento técnico e uma visão de negócio e empreendedora, pode viabilizar saídas antes inimagináveis que, antes poderiam ser apontadas como barreiras, e poderão ser chamadas de escadas.
Essas transformações são fundamentais para reposicionar o advogado corporativo como um verdadeiro parceiro de negócios. Conforme a multinacional canadense, Thomson Reuters, que publicou diversos relatórios que destacam a importância crescente dos departamentos jurídicos na estratégia empresarial. Por exemplo, o “Índice Thomson Reuters Legal Tracker de Performance Operacional para Departamentos Jurídicos”, o qual fornece insights sobre as operações desses departamentos, enfatizando seu papel estratégico nas organizações.
Para acompanhar essas mudanças, os advogados corporativos precisam desenvolver novas habilidades que vão além das competências jurídicas tradicionais, e áreas como tecnologia, gestão de dados e inteligência de negócios estão se tornando fundamentais para o perfil do advogado moderno. Nesse sentido, o uso de ferramentas tecnológicas tem revolucionado a forma como esses profissionais trabalham, permitindo que softwares de gestão de contratos, automação de processos e análise preditiva otimizem o tempo do jurídico, ao lidar com tarefas repetitivas de maneira eficiente e liberar o advogado para atividades estratégicas. Além disso, as ferramentas de inteligência artificial, utilizadas para revisão de documentos e monitoramento de conformidade, estão ganhando espaço. Com isso, o advogado moderno deve entender como aplicar essas tecnologias para aumentar a produtividade e fornecer insights mais ágeis para a empresa, e, segundo um estudo da Deloitte, 100% dos departamentos jurídicos corporativos de empresas líderes de mercado esperam adotar essas inovações nos próximos três a cinco anos.
A transformação do Advogado tem custo, enxergar oportunidades de otimizar processos, delegação de tarefas operacionais e assimilar o técnico a uma linguagem com comunicação eficiente e focada no negócio são fundamentais para garantir presença e espaço no objetivo que se pretende alcançar.
Outro aspecto importante é a mudança para uma abordagem mais estruturada de gestão de projetos, que tem substituído o método tradicional de trabalho no departamento jurídico. Essa nova abordagem envolve a definição de metas claras, cronogramas e indicadores de desempenho para cada atividade, o que não só alinha o jurídico com o restante da empresa, como também facilita a colaboração com outras áreas, como operações, TI, compliance e finanças. Esse modelo mais organizado proporciona um controle maior e melhora a eficiência das entregas do jurídico.
Além da tecnologia e da gestão de projetos, a visão de negócios e o pensamento estratégico também se tornaram essenciais. Para ser relevante no ambiente corporativo, o advogado precisa desenvolver uma compreensão profunda dos objetivos e desafios da empresa. Com essa visão estratégica, ele pode antecipar riscos e propor soluções que impulsionem a inovação e competitividade da organização. Desse modo, o advogado se torna um colaborador ativo em equipes multifuncionais, contribuindo com insights valiosos para que a empresa navegue em ambientes regulatórios complexos sem comprometer suas metas.
Por fim, a crescente ênfase em sustentabilidade e responsabilidade social corporativa exige que os advogados entendam as nuances das regulamentações ESG, uma vez que políticas ambientais e de governança impactam diretamente as operações das empresas. Nesse contexto, cabe ao departamento jurídico assegurar que essas políticas sejam cumpridas sem afetar a competitividade da empresa. Essa expertise em ESG se torna, então, um diferencial competitivo importante, especialmente para empresas que buscam atrair investimento estrangeiro, onde critérios de sustentabilidade e governança são cada vez mais valorizados.
Essas novas competências transformam o advogado corporativo em um profissional completo, preparado para integrar-se à estratégia da empresa de maneira inovadora e alinhada com as demandas do mercado atual.
O Jurídico como facilitador da transformação digital
A transformação digital está reconfigurando o ambiente de negócios, e o jurídico não pode ficar de fora. Com a adoção de tecnologias como blockchain, inteligência artificial e big data, o departamento jurídico ganha novas ferramentas para gerenciar riscos e melhorar a eficiência.
Aplicações da tecnologia no jurídico corporativo:
- Blockchain: O uso de contratos inteligentes (smart contracts) reduz a necessidade de intermediários e melhora a segurança em transações contratuais.
- Inteligência artificial: A IA permite análises rápidas de grandes volumes de dados, ajudando na revisão de contratos e na previsão de resultados de litígios com base em decisões anteriores.
- Big Data e análise preditiva: A análise preditiva permite ao jurídico antecipar problemas e oportunidades, oferecendo insights baseados em dados para a tomada de decisão estratégica.
Essas tecnologias não apenas ajudam na eficiência operacional do jurídico, mas também permitem que o advogado forneça orientações mais rápidas e assertivas, facilitando a transformação digital da empresa como um todo.
A carreira do advogado corporativo está em plena evolução, impulsionada pela transformação digital, pela complexidade regulatória e pela demanda por uma atuação mais estratégica. O jurídico deixou de ser apenas uma área de suporte e passou a ser um verdadeiro parceiro de negócios, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a competitividade da empresa.
Portanto, para os empresários e líderes de tecnologia, compreender e apoiar essa evolução é fundamental. Investir no desenvolvimento das competências necessárias para o novo perfil do advogado corporativo pode fazer toda a diferença no sucesso da empresa, especialmente em um mercado onde a conformidade e a inovação são fatores críticos.
A transição para um jurídico mais estratégico e tecnológico exige comprometimento, tanto por parte dos advogados quanto das lideranças corporativas. Ao final, as empresas que se adaptarem a essa nova realidade estarão melhor posicionadas para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades do futuro.