Nos últimos anos, a rentabilidade dos negócios digitais se tornou um dos temas mais discutidos entre líderes de tecnologia, empresários e investidores. Empresas como Amazon, Uber e Spotify já provaram que é possível crescer rapidamente sem focar no lucro a curto prazo. Contudo, essa estratégia de “crescimento a qualquer custo” nem sempre é sustentável e, com a mudança de cenário econômico e a expectativa dos investidores, cresce a pressão para que as empresas digitais não apenas cresçam, mas também gerem lucro.
Crescimento rápido vs. rentabilidade: o dilema estratégico
O crescimento rápido e a rentabilidade são, muitas vezes, objetivos contraditórios. Empresas digitais enfrentam um dilema estratégico ao decidir qual dos dois caminhos seguir. O crescimento acelerado requer grandes investimentos em marketing, desenvolvimento de produto e expansão de mercado, muitas vezes sacrificando o lucro no curto prazo. Por outro lado, focar em rentabilidade pode limitar a capacidade da empresa de escalar rapidamente e competir com rivais que apostam todas as fichas no crescimento.
O modelo de crescimento acelerado
O modelo de crescimento acelerado baseia-se na ideia de conquistar o máximo de mercado possível em um curto período, uma estratégia frequentemente adotada por startups e scale-ups que buscam “disruptar” mercados tradicionais. A lógica por trás desse modelo é simples: ao ganhar rapidamente uma grande base de usuários, a empresa consegue estabelecer sua marca e, com o tempo, pode monopolizar o setor, proporcionando retorno aos investidores. Exemplos claros dessa estratégia são empresas como Uber e Airbnb, que expandiram-se rapidamente e alcançaram mercados globais, mantendo preços baixos e oferecendo incentivos para atrair tanto clientes quanto parceiros, como motoristas e anfitriões. No entanto, o crescimento acelerado exige um constante fluxo de capital, o que faz com que a empresa precise buscar novos investimentos regularmente para sustentar suas operações e expansão, criando, assim, um ciclo vicioso de dependência de capital de risco.
Entre as vantagens desse modelo, destaca-se o ganho rápido de market share, uma vez que o crescimento acelerado permite à empresa ocupar espaço no mercado antes que concorrentes menores possam se estabelecer. Outra vantagem é a escala e o efeito de rede; em plataformas digitais, o rápido crescimento aumenta o valor da rede, tornando a plataforma mais valiosa para todos os seus usuários. Além disso, o crescimento rápido confere visibilidade e valor à marca, consolidando a empresa como líder de mercado e referência no setor.
Por outro lado, esse modelo apresenta desvantagens. Uma delas é a dependência de capital externo, pois o crescimento acelerado é caro e muitas empresas precisam levantar novas rodadas de investimento constantemente, o que pode diluir a participação dos fundadores e limitar a flexibilidade estratégica. Além disso, a sustentabilidade a longo prazo é um desafio, já que o foco no crescimento pode levar à negligência de aspectos fundamentais do negócio, como a qualidade do serviço, a satisfação do cliente e o compliance regulatório. Por fim, há a dificuldade em ajustar o modelo financeiro, pois priorizar o crescimento sobre o lucro pode colocar a empresa em uma situação em que será necessário ajustar completamente o modelo financeiro para alcançar a rentabilidade, um processo que pode levar anos.
A McKinsey aponta que startups focadas em crescimento rápido frequentemente enfrentam um ciclo de dependência financeira, devido à necessidade contínua de captar recursos para financiar a expansão. Esse modelo pode tornar-se arriscado em períodos de instabilidade econômica, pois exige que investidores continuem injetando capital em uma empresa que, muitas vezes, ainda não alcançou rentabilidade. Em resposta às recentes mudanças nas taxas de juros e ao aumento das incertezas do mercado, muitos investidores passaram a exigir uma combinação entre estratégias de crescimento e rentabilidade sustentável.
O modelo de rentabilidade sustentável
Algumas empresas digitais optam por uma abordagem mais conservadora, buscando rentabilidade desde os estágios iniciais. Essas empresas preferem crescer de forma mais lenta, garantindo que cada novo cliente ou mercado adicionado gere lucro. Esse modelo, muitas vezes associado a empresas de software B2B, como a Basecamp, que adotou um crescimento orgânico sem recorrer a capital de risco, visa manter o controle e a sustentabilidade do negócio. Essa estratégia é ideal para empresas que atuam em nichos altamente especializados, onde o crescimento exponencial não é uma exigência imediata para a sobrevivência. No caso de empresas B2B, construir relacionamentos sólidos com os clientes e oferecer serviços personalizados é mais importante do que conquistar rapidamente novos mercados.
Entre as vantagens da rentabilidade sustentável, destaca-se a sustentabilidade a longo prazo, pois negócios focados em rentabilidade são mais resilientes a crises econômicas e mudanças no mercado, já que não dependem de capital externo. Outra vantagem é o maior controle e autonomia, pois empresas lucrativas podem se autofinanciar e não precisam de investidores externos, o que permite preservar o controle dos fundadores. Além disso, a rentabilidade transmite confiabilidade para clientes e parceiros, indicando estabilidade e um compromisso com o longo prazo, o que é especialmente relevante para empresas que oferecem serviços críticos ou de longa duração.
Entretanto, essa estratégia também apresenta desvantagens. O foco na rentabilidade pode limitar o crescimento, levando a empresa a perder oportunidades de expansão rápida e a chance de conquistar uma fatia significativa do mercado antes dos concorrentes. Além disso, ao escolher esse caminho, a startup pode perder visibilidade no mercado e parecer menos atraente para investidores, o que pode dificultar o recrutamento e a retenção de talentos.
Como as empresas digitais discutem a estratégia internamente
A decisão entre crescimento rápido e rentabilidade é frequentemente debatida no nível mais alto da gestão, e envolve a participação de diferentes áreas, como finanças, marketing, desenvolvimento de produtos e operações. Algumas perguntas que as lideranças fazem ao tomar essa decisão incluem:
Qual é a expectativa dos investidores? – Em empresas que receberam capital de risco, a pressão por crescimento pode ser maior, já que investidores esperam retornos rápidos e significativos.
Qual é o potencial de mercado? – Para mercados emergentes e setores ainda não consolidados, o crescimento rápido pode ser uma oportunidade única. Em setores mais estáveis, porém, a rentabilidade é essencial para a sobrevivência.
Qual é a maturidade do produto? – Empresas com produtos ainda em fase de validação de mercado podem priorizar o crescimento para ajustar o produto às necessidades dos usuários, enquanto produtos já consolidados podem buscar rentabilidade.
Qual é a estrutura de custos? – Empresas de alto custo fixo, como marketplaces e plataformas de tecnologia, precisam de uma base maior de usuários para diluir os custos, o que pode justificar um foco maior no crescimento.
Qual é o impacto na marca? – O crescimento rápido pode desgastar a marca, enquanto um crescimento focado em rentabilidade pode associar a empresa a valores de qualidade e confiabilidade.
O impacto na estratégia de longo prazo
A escolha entre crescimento e rentabilidade molda a estratégia de longo prazo e a sustentabilidade do negócio. Empresas que focam exclusivamente no crescimento podem se ver forçadas a “cortar custos” em momentos de crise, reduzindo a qualidade do serviço e a satisfação do cliente. Já empresas focadas em rentabilidade tendem a manter um ritmo de crescimento mais previsível e controlado, o que oferece uma base sólida para inovação e aprimoramento constante.
No cenário atual, em que o capital de risco está mais cauteloso e os investidores buscam modelos sustentáveis, muitas empresas digitais estão reavaliando sua estratégia. A pandemia e a desaceleração econômica de 2022 a 2023 trouxeram uma nova perspectiva, forçando até mesmo gigantes do setor, como a Meta e a Amazon, a buscar maior eficiência e a focar em lucro.
A decisão entre crescer rapidamente e focar na rentabilidade não tem uma resposta única, e cada empresa digital deve avaliar seu próprio contexto, seus objetivos de longo prazo e o mercado em que opera. Estratégias de crescimento rápido podem trazer resultados impressionantes no curto prazo, mas podem ser insustentáveis e até arriscadas. Já as empresas que optam por focar na rentabilidade tendem a construir bases mais sólidas e seguras, ainda que à custa de uma expansão mais lenta.
Para líderes de tecnologia e empresários, o segredo está em equilibrar esses dois objetivos e revisitar essa decisão constantemente à medida que o mercado e as expectativas dos stakeholders evoluem. É fundamental considerar a estrutura de custos, o ciclo de vida do produto, a expectativa de investidores e, principalmente, o que é melhor para a sustentabilidade do negócio no longo prazo.
A McKinsey aponta que, no ambiente de alta volatilidade atual, muitos investidores preferem estratégias que alinhem o crescimento com margens sustentáveis, evitando a dependência excessiva de capital de risco. Isso se deve, em parte, ao aumento nas taxas de juros e a incertezas econômicas, fatores que intensificam o foco em investimentos eficientes que maximizem valor a longo prazo.