A área financeira é o cérebro estratégico das empresas modernas?

‎Por Karina Feliconio

Durante muito tempo, o departamento financeiro foi visto apenas como um guardião das contas, um setor responsável por controlar entradas e saídas, garantir o cumprimento de obrigações fiscais e manter as finanças em ordem. No entanto, esse olhar reducionista não cabe mais no contexto atual dos negócios. A área financeira deixou de ser um suporte administrativo para se tornar protagonista nas decisões estratégicas das empresas. Hoje, ela é um centro de inteligência capaz de orientar investimentos, antecipar riscos e criar valor sustentável para o negócio, além de gerar ganho de margem e rentabilidade.

O avanço da tecnologia, o aumento da competitividade e a complexidade regulatória exigiram uma evolução do papel do financeiro. Com acesso a dados em tempo real, ferramentas de análise preditiva e integrações cada vez mais sofisticadas com outros departamentos, o time de finanças passou a exercer uma função consultiva dentro da organização. Ele não apenas mede o desempenho, mas ajuda a desenhar o caminho a ser seguido, com base em indicadores confiáveis e análises de cenários.

Um CFO moderno é, acima de tudo, um estrategista. Ele precisa entender o negócio de ponta a ponta, compreender o comportamento do consumidor, os movimentos do mercado e as tendências tecnológicas que podem impactar os resultados. Sua atuação vai muito além da contabilidade: envolve decisões sobre pricing, expansão, inovação, fusões, aquisições e até posicionamento de marca. A visão integrada entre finanças e estratégia é o que diferencia empresas reativas de organizações realmente preparadas para o futuro.

É também a área financeira que consegue dar clareza sobre o retorno de cada iniciativa. Em tempos de orçamentos enxutos e margens apertadas, saber onde alocar capital com maior eficiência é determinante. Investir sem medir o retorno deixou de ser uma opção viável. O financeiro estratégico ajuda a identificar onde estão os ativos mais relevantes, quais são os projetos com maior potencial de ROI e como estruturar o capital para garantir liquidez e crescimento ao mesmo tempo.

Outro fator que impulsionou a valorização da área financeira é a crescente preocupação com a sustentabilidade e os critérios ESG. Medir impacto social, ambiental e de governança exige métricas claras, “reports” consistentes e capacidade de cruzar informações de diversas fontes. Isso tornou o financeiro um elo crucial entre a estratégia corporativa e a transparência exigida por investidores, reguladores e consumidores. Empresas que levam a sério seus compromissos sustentáveis dependem fortemente da inteligência financeira para entregar o que prometem.

Além disso, em cenários de incerteza — como pandemias, crises econômicas ou mudanças abruptas na política fiscal — o financeiro assume um papel de liderança, oferecendo modelos de resiliência, redesenhando previsões, simulando impactos e ajustando rapidamente as prioridades da empresa. A capacidade de simular diferentes cenários e responder com agilidade a mudanças no ambiente externo é um dos grandes diferenciais de um time de finanças bem preparado e bem posicionado, e antecede qualquer plano de ação necessário para que não existam maiores impactos.

A aproximação entre finanças e tecnologia também é uma das marcas dessa transformação. O uso de ferramentas de BI, analytics, inteligência artificial e automação permite que o setor financeiro atue de forma mais analítica e preditiva, em vez de apenas reativa. Processos como fechamento contábil, conciliação bancária, gestão de contas a pagar e a receber foram radicalmente otimizados, liberando tempo e energia para análises mais profundas e decisões estratégicas.

No mundo das startups, essa abordagem já é realidade há bastante tempo. O financeiro é parte do core do negócio desde os primeiros pitches com investidores. A clareza sobre burn rate, CAC, LTV, runway e outros indicadores financeiros são essenciais para conquistar capital, crescer com sustentabilidade e evitar colapsos por má gestão. O mesmo vale para empresas tradicionais que precisam se reinventar em um mercado cada vez mais ágil e volátil.

Outro aspecto importante é a comunicação entre o financeiro e as demais áreas da empresa. Quando finanças é visto como parceiro e não como um “guardião do orçamento”, cria-se uma cultura de responsabilidade compartilhada pelos resultados. O time comercial entende melhor os impactos de suas decisões de precificação. O time de produto compreende os custos de inovação. O RH consegue planejar contratações com base em projeções sólidas. Tudo passa a operar de forma mais coesa.

Essa transformação também exige um novo perfil de profissional de finanças. Mais do que habilidades técnicas, exige-se hoje pensamento crítico, visão de negócio, capacidade de comunicação e domínio de ferramentas digitais. O profissional que sabe traduzir números em histórias compreensíveis para diferentes públicos se torna peça-chave na conexão entre dados e ação. É por isso que empresas estão investindo cada vez mais na formação contínua de seus times financeiros.

Há também um novo desafio ético que surge com esse protagonismo. O acesso a dados sensíveis, a pressão por resultados e a complexidade das estruturas financeiras exigem que o setor tenha princípios muito bem estabelecidos. A governança financeira precisa ser robusta, transparente e alinhada à integridade corporativa. Afinal, não basta ser estratégico, é preciso ser confiável.

Nas fusões e aquisições, por exemplo, o papel do financeiro é vital. Ele avalia riscos, precifica ativos, estrutura operações e garante que a transação tenha coerência para longo prazo da companhia. Um erro nessa avaliação pode custar caro. Por outro lado, uma boa leitura financeira pode transformar uma aquisição em um salto de escala, inovação ou acesso a novos mercados.

A área financeira também é o ponto de contato com o ecossistema externo. Investidores, bancos, auditores, agências de avaliação, órgãos reguladores e até a imprensa financeira dependem da informação gerada e interpretada pelo time financeiro. A reputação de uma empresa no mercado depende, em grande medida, da sua capacidade de reportar dados com clareza, consistência e confiabilidade.

Empresas que promovem o financeiro a um papel de liderança colhem frutos claros: maior previsibilidade, melhor governança, decisões mais embasadas e capacidade de inovação com responsabilidade. Não se trata apenas de controlar recursos, mas de conduzir a empresa com visão de longo prazo. A estratégia precisa ser traduzida em números, e os números precisam inspirar estratégias.

A fluidez do mercado global exige que o financeiro seja também um radar de tendências. Taxas de câmbio, juros internacionais, cadeias de suprimento, inflação e política monetária são variáveis que afetam diretamente a operação das empresas. O olhar financeiro, portanto, precisa ser local e global ao mesmo tempo, uma competência cada vez mais valorizada em empresas com ambições de crescimento internacional.

A transformação digital, por sua vez, obriga o setor a repensar suas ferramentas e processos. ERPs, CRMs, plataformas de gestão integrada, bancos digitais e soluções de blockchain estão redefinindo o que é possível em termos de controle, agilidade e segurança. O financeiro estratégico é também um curador dessas tecnologias, selecionando e implementando as que realmente agregam valor.

É fundamental também que o time financeiro participe da definição de metas e indicadores da empresa toda. Quando os objetivos estratégicos estão alinhados aos recursos disponíveis e às capacidades financeiras, a execução se torna mais eficaz. O planejamento orçamentário passa a ser uma construção colaborativa e adaptável, e não um exercício burocrático feito uma vez por ano.

A área de finanças precisa deixar de ser vista como um centro de custos que não gera receita e passar a ser reconhecida como um gerador de valor. A diferença está na abordagem: enquanto um financeiro tradicional cuida do passado e do presente, o financeiro estratégico pensa no futuro. Ele antecipa cenários, influencia decisões e garante que a empresa esteja preparada para o que vem.

Essa transformação não acontece muito rapidamente. Ela exige liderança, investimento, mudança cultural e, acima de tudo, uma nova mentalidade. Mas os resultados são claros: empresas que colocam o financeiro no centro da estratégia têm mais chances de sobreviver, crescer e prosperar em um mundo cada vez mais incerto, competitivo e digital.

Karina-Feliconio

CONSELHEIR@

Karina Feliconio

Profissional com mais de 20 anos de experiência na área de Finanças, com passagem em Banco de investimentos e empresas dos segmentos de varejo, tecnologia e Saas.

Especialista em identificar oportunidades de aumento de margem e rentabilidade. Experiências incluem internalização de contabilidade, consolidação, implantação de ERPS, duas abertura de capital (IPO), captações com fundos, renegociação de dívidas, e automatização da área de FP&A e controladoria, com histórico de aumentos significativos de margem de contribuição e EBITDA.

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