O presente artigo propõe uma reflexão sobre a maturidade no desenvolvimento de produtos digitais a partir de uma visão sistêmica, integrando arquitetura de software e estratégia de longo prazo. O foco é compreender a diferença entre soluções paliativas e estruturais, com destaque para práticas que evitam o “delivery reativo”, como o discovery contínuo, o design thinking e a estratégia de produto. A discussão busca orientar líderes e executivos na construção de soluções escaláveis e sustentáveis, alinhadas aos objetivos organizacionais.
Introdução
Em um cenário de aceleração digital é comum a pressão por resultados imediatos. Muitas equipes se veem apagando incêndios e atendendo a solicitações urgentes de clientes ou stakeholders, entregando funcionalidade atrás de funcionalidade de forma reativa. Porém, surge a pergunta: isso está construindo uma base sólida para o futuro, ou apenas remendando problemas do presente? A diferença entre resolver sintomas e atacar a causa raiz de um problema é crucial. Responder a cada demanda pontual pode dar alívio imediato, mas sem uma visão sistêmica corremos o risco de repetir os mesmos problemas adiante. Como saber se estamos investindo em soluções escaláveis e sustentáveis ou apenas agindo no calor do momento?
Sintomas vs. causa raiz: resolvendo o problema certo
Nem sempre basta “apagar incêndios” – isto é, lidar apenas com os sintomas aparentes de um problema. Identificar e corrigir a causa raiz costuma exigir mais análise inicial, mas garante que a organização não enfrente novamente os mesmos problemas no futuro. Por exemplo, em vez de simplesmente adicionar uma funcionalidade para contornar uma falha recorrente de processo (sintoma), uma abordagem de causa raiz investigaria por que aquela falha ocorre e reformularia o processo de forma definitiva. Essa mudança de mentalidade é fundamental: significa ir além do “o que?” e perguntar “por quê?” repetidamente até encontrar o núcleo da questão. Em gestão de produtos, isso se traduz em olhar além do pedido imediato do cliente e entender a necessidade subjacente ou o problema real a ser resolvido. Os melhores produtos nascem quando exploramos a fundo essas causas fundamentais. Com isso, as soluções deixam de ser apenas paliativas e se tornam melhorias sustentáveis de longo prazo. Adotar esse enfoque permite aos times evoluírem de uma postura reativa – de simplesmente resolver problemas conforme eles aparecem – para uma postura proativa de criadores de soluções estratégicas.
Arquitetura e plataforma pensadas desde o início
Para criar soluções escaláveis de verdade, é indispensável pensar em arquitetura de software e plataforma desde o começo dos projetos. A arquitetura de um produto não é “apenas um detalhe técnico”; na verdade, ela é um ativo estratégico que forma a base para manter o negócio ágil, inovador e preparado para o que vier. Toda boa experiência do cliente ou produto que cresce sem tropeços normalmente está apoiado em uma arquitetura sólida. Acertar na arquitetura é preparar a organização para o sucesso, enquanto ignorá-la significa correr riscos de ineficiências, retrabalho e ficar para trás frente à concorrência. Uma arquitetura bem planejada alinha a tecnologia aos objetivos de negócio. Decisões estruturais impactam diretamente resultados-chave, como velocidade de entrega, satisfação do cliente e custos de manutenção. Por exemplo, uma arquitetura escalável assegura que seus sistemas suportem o crescimento sem interrupções, enquanto um design seguro protege o negócio de ameaças. Em suma, uma boa arquitetura garante que os sistemas possam evoluir junto com a empresa, atender às necessidades dos clientes e incorporar novas tecnologias com facilidade, alinhando a tecnologia com os objetivos estratégicos e impulsionando ROI e inovação. Pensar em plataforma significa projetar componentes e serviços reutilizáveis, preparando o terreno para adicionar novas funcionalidades de forma consistente, em vez de soluções isoladas para cada solicitação. Assim, cada nova demanda pode ser atendida de forma mais rápida e padronizada, sem precisar “reinventar a roda” a cada vez.
Evitando o “delivery reativo”: discovery contínuo e estratégia de produto
Como então evitar cair em um ciclo apenas reativo? A resposta está em adotar práticas e uma cultura que privilegiem o planejamento e a inovação contínua em vez do improviso. Três pilares se destacam nesse sentido:
1. Discovery contínuo: Em vez de trabalhar somente no que já foi pedido, times de produto de alta performance mantêm um processo contínuo de descoberta de oportunidades. Product discovery é o trabalho de decidir o que construir – complementando o delivery, que é construir e lançar o produto.
Na prática, discovery contínuo significa que a equipe tem contato frequente (idealmente semanal) com os usuários, realizando pequenas pesquisas e experimentos constantes em busca de direcionar o produto aos resultados desejados.
Essa proximidade contínua com o cliente permite antecipar necessidades, validar ideias antes de desenvolvê-las completamente e ajustar a rota rapidamente, evitando retrabalho e garantindo que se construa o que realmente gera valor.
2. Design Thinking: Trata-se de uma abordagem para resolver os problemas certos de forma criativa, colocando o usuário no centro. O Design Thinking propõe entender profundamente o usuário, desafiar pressupostos e redefinir problemas na tentativa de identificar estratégias e soluções alternativas. Ele é um processo iterativo dividido em cinco etapas – Empatia, Definição, Ideação, Prototipação e Teste – que podem ocorrer de forma não linear e se repetir até se chegar às melhores soluções.
Ao aplicar design thinking, as equipes evitam implementar de imediato a primeira solução sugerida (que muitas vezes ataca só o sintoma) e passam a explorar alternativas. Isso garante que o produto final resolva a causa real do problema do cliente e entregue uma experiência superior. Além disso, por meio de protótipos e testes rápidos, reduz-se o risco de investir em algo que não atende à necessidade de fato.
3. Estratégia de produto de longo prazo: Por fim, é essencial guiar as decisões do dia a dia por uma estratégia clara. Ter uma estratégia de produto significa saber onde se quer chegar (visão) e quais problemas e segmentos a empresa decidiu focar, alinhando o desenvolvimento do produto aos objetivos do negócio. Sem essa estratégia, é fácil sucumbir à tentação de dizer “sim” a todas as demandas pontuais de diferentes fontes. Melissa Perri, autora de Escaping the Build Trap, alerta para o risco de cair nessa armadilha: muitas empresas acabam reagindo aos clientes que “gritam mais alto”, em vez de avaliar se aquelas requisições fazem sentido frente aos objetivos estratégicos.
Uma boa gestão de produto envolve priorizar iniciativas alinhadas à visão e ao valor para o usuário e para a empresa. Ferramentas como OKRs (Objectives and Key Results) ou metodologias de roadmap contínuo ajudam a manter esse foco, garantindo que o esforço do time esteja direcionado ao impacto desejado e não disperso em pedidos ad hoc. Com uma estratégia bem comunicada, as equipes entendem o porquê por trás de cada iniciativa e podem tomar decisões no dia a dia que mantenham a empresa no rumo certo.
Conclusão
Para executivos e tomadores de decisão, o recado é claro: investir em visão sistêmica e planejamento de longo prazo não é luxo, é questão de sobrevivência e crescimento sustentável. Resolver problemas de forma definitiva (e não apenas paliativa), construir sobre bases tecnológicas sólidas e cultivar uma cultura de descoberta contínua e pensamento de design trazem retornos significativos. Organizações que seguem esse caminho obtêm produtos mais robustos, flexíveis e capazes de escalar, além de times mais engajados com a visão de futuro. Por outro lado, aquelas que vivem apenas de “delivery reativo” – correndo atrás de cada demanda pontual – tendem a acumular débito técnico, perder eficiência e ver seus esforços dispersos, sem construir um diferencial competitivo duradouro.
Em resumo, criar soluções escaláveis requer intencionalidade. Significa perguntar constantemente: “Este desenvolvimento atende somente a uma solicitação isolada ou se encaixa na nossa estratégia de produto?”; “Estamos apagando incêndios ou eliminando as fontes do fogo?”. Ao liderar pelo exemplo e fomentar práticas como discovery contínuo, design thinking e planejamento estratégico, os líderes orientam suas equipes a entregarem valor consistentemente, hoje e no futuro. Assim, a empresa deixa de apenas reagir e passa a ditar os rumos no mercado, com inovação e solidez.
Referências
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